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Blog do Mauro Beting

Cry (1)4 Cruyff

Mauro Beting

24/03/2016 10h56

 

CRUYFF cor de CRUSH. FOTO: RONALDO7NET

CRUYFF cor de CRUSH. FOTO: RONALDO7NET

 

 

 

54 segundos de aplauso por Hendrik Johannes Cruyff.

 

 

VEJA: O início do jogo da final da Copa-74

 

Nos primeiros 54 segundos da final da Copa da Alemanha em 1974, depois de 42 toques na bola, 17 passes trocados por oito jogadores de laranja, o camisa 14 partiu desde o grande círculo e foi aterrado por Hoeness. Pênalti que Neeskens converteu. Só então os donos da casa (e que seriam também do troféu) puderam tocar na bola melhor jogada até então naquela Copa.

 

Ele não disputou o Mundial de 1978. Não quis. Problemas pessoais, políticos e comerciais. Ele não poderia jogar em 1982 – a Holanda não participou. Mas poucos no mundo jogaram tanto. Raros foram quase tão bons como treinador, no Dream Team do Barcelona, de 1988 a 1996. Equipe que solidificou a escola holandesa-catalã iniciada por ele e Rinus Michels, na primeira metade dos anos 1970. Elevada à enésima potência sob o comando de Guardiola. O camisa 4 do eterno camisa 14 do Ajax, Barcelona e Holanda.

 

Ele acelerava e desacelerava como máquina em campo. Pensava e executava como computador. Tudo com a alma do craque e do torcedor. Com a mente de um cidadão politizado que preferiu não jogar no Madrid Real de Franco. Business man que conseguiu se vestir de Puma em 1974 enquanto a Laranja Mecânica era Adidas na Copa.

 

Único no marketing, raro como craque, genial na posição e função que criou. Cruyff jogava como Cruyff. Define bem nosso André Rocha, aqui do UOL, que me ajudou a escrever em 2010 o livro AS MELHORES SELEÇÕES ESTRANGEIRAS DE TODOS OS TEMPOS (Editora Contexto, que você pode ler pelo GOOGLE PLAY). Para André, a Holanda atuava no 4-3-Cruyff-2. O 4-3-3 de Michels tinha dois pontas e um Cruyff que era centroavante. Meia. Volante. Zagueiro. Tudo.

 

Centroavante de caderneta, virou livro-docente pelo campo.

 

Nem Pelé virou símbolo de um estilo único que durou um verão chuvoso na Alemanha, em 1974. Só Cruyff e o FUTEBOL TOTAL. Homem de ideias socialistas e futebol solidário. Conjunto. Completo. Esporte fino. Baseou seu jogo em Di Stéfano, do Real Madrid, que começava como centroavante, mas acabava brilhando por todo o campo. Mas Cruyff foi além pela condição atlética excepcional, ainda que fumasse um cigarro no intervalo dos jogos. E outros nove todos os dias.

 

Cigarro que o levou hoje, aos 68 anos.

 

Cruyff jogava pelo time e com o time. Mas tinha seus momentos de onanismo futebolístico: "Jogo 85 minutos para a equipe e cinco para mim". E como jogava. E como fazia jogar. Na Copa, aos 20 minutos dos 4 a 1 contra a Bulgária, saiu do comando de ataque e foi buscar a bola na lateral direita. Por 45 segundos, com bolas trocadas e fintas dele, a Holanda botou o rival abaixo. E o estádio em aplausos. Como faria na melhor partida dele em 1974: 4 a 0 na Argentina, futura campeã mundial, contra a mesma Holanda, quatro anos depois. Bateu escanteios, faltas e até laterais. Parecia simples. E quase sempre era lindo. Driblava para os dois lados, corria por todos eles. Era objetivo. Mas gostava de fazer arte.

 

– O futebol é simples. Difícil é jogar simples. A mais fácil solução, por vezes, é a mais difícil de fazer. Não precisa dar um passe de 40 metros quando 20 resolvem.

 

Ele fazia tudo. Contra os argentinos, aos 18 do segundo tempo, driblou cinco rivais. Não era filigrana. Foi necessidade. Lástima para o futebol que não conquistou a Copa como ganhou o mundo. Havia uma Alemanha pelo caminho. E que Alemanha!

 

A do Franz Beckenbauer que, nesta semana, é arrolado num rolo só da Copa de 2006. Nesta semana em que perdemos o maior da Europa em 1971, 1973 e 1974. Melhor do século nos campos europeus pelo Instituto de História e Estatística. Segundo maior de todos os tempos pela Fifa, em 1999 – antes de Messi… O "Pitágoras de chuteiras", para o jornalista David Miller, pela capacidade especial e espacial de antever o jogo e resolver problemas e equações de esquadrões, esquadrinhando o próprio time, e enquadrando o rival.

 

Ele puxava a bola pra trás e driblava de chaleira. Ou de Cruyff. Ele corria e desacelerava com a inteligência de quem faz o tempo. Na final europeia contra o Panathinaikos, ele deu aquela arrancada irrefreável até frear à frente do marcador. Esperou os companheiros de Ajax chegarem para, do zero, chegar a 14 com uma facilidade absurda.

 

– Na verdade, não sou rápido. Meu segredo é saber quando eu devo correr, e não quanto eu corro. Futebol não é atletismo.

 


 

O menino Hendrik começou a correr atrás da bola do Ajax da Amsterdã dele em 1957, aos 10 anos. Lá ele aprendera que, na rua, não existem treinadores. Quem é bom joga.

 

E ele jogou. Aos 17 já era titular e ajudou o Ajax a não ser rebaixado. Em dois anos já ganhou o título nacional. Ganharia mais cinco. Quando foi para o Barcelona, em 1973, já tinha três Ligas dos Campeões e um Mundial, em 1972. Marcou 190 gols em 240 jogos oficiais pelo Ajax. No Barça foram 43 em 143. Jogou nos Estados Unidos, de 1978 a 1981. Espanha por um breve tempo, mais dois anos de Ajax, e a última temporada pelo Feyenoord, em 1984. No Ajax, como técnico, deixou o 3-3-1-3 como legado para Van Gaal ganhar tudo em 1995.

 

Na seleção holandesa jogou de 1966 a 1977. Foram 33 gols em 48 jogos. Não ganhou a Copa. Mas foi um dos maiores de todos os tempos sem um Mundial. Para não dizer o maior enquanto se espera Messi. Não por acaso quase um falso 9 como o verdadeiro 14. Um gênio que reinventou a matemática do jogo. Redefiniu seus números. Renomeou suas posições. Reinou nos campos e nos bancos.

 

É dos poucos que podem jogar em qualquer posição, em qualquer time, em qualquer seleção de todos os campos e tempos.

 

É craque.

 

É Cruyff.

 

Cry (1)4 Cruyff

 

 

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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