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Blog do Mauro Beting

Islândia, o país do futebol

Mauro Beting

28/06/2016 13h25

 

LUCAS VON SILVEIRA no FACEBOOK

 

ESCREVE LUCAS VON SILVEIRA

 

O Brasil, há tempos, vem tentando não ser mais o país do futebol. Finalmente conseguiu. Acho que o 7 x 1 na Copa foi só pra não deixar dúvidas. Pra conscientizar céticos e românticos. Apenas um ato simbólico. Mas a coisa vem de antes.

Somos o país da novela. Insuperáveis nesse quesito. É o nosso produto de maior sucesso lá fora. E que dita as regras aqui dentro: futebol, só depois que a Carminha armar mais uma cilada para o Jorginho. Não interessa que, pra isso, a partida poderá começar só na longínqua 10h da noite. E pouco importa que, portanto, o apito final acontecerá quase amanhã, encostadinho na meia-noite. E obviamente ninguém liga para o fato de que, sendo assim, o torcedor ainda terá que sair do estádio, tomar uma condução até sua casa, tomar banho, comer alguma coisa e, na melhor das hipóteses, apenas lá pelas 2h e pouco da matina tentar dormir. E amanhã, que na verdade já é hoje, acorda às 6h para trabalhar. Azar, problema é dele. E semana que vem tem jogo às 19h15, numa quinta-feira. Ele sai do trabalho às 19h? Do outro canto da cidade? Foda-se. "20h30 seria perfeito? Ah, entendi. Então vamos colocar horários bem antes ou bem depois disso". E o pior é que tem um pessoalzinho que ainda dá seu jeito, mesmo diante de um cenário que por todos os lados estimula o sujeito a não ir. Não à toa esse pessoalzinho vem diminuindo.

Mas, mesmo com os horários esdrúxulos pra quem trabalha, nosso futebol também não é muito convidativo aos desempregados: os preços dos ingressos, ao contrário da qualidade do futebol brasileiro, não param de subir. E fica difícil angariar novos adeptos. Como vamos encantar as crianças com a atmosfera apaixonante do futebol se estão ceifando cada vez mais essa atmosfera? Os pequenos entram em estádios super modernos, Padrão FIFA, frios, vazios, sem bandeiras, sem pisca-pisca, sem fumaça, sem multidões saltitantes. E com uma pipoca custando R$ 10,00. Será que vão querer voltar? Aliás, será que pela TV o espetáculo não perdeu brilho também? Será que a torcida não faz parte desse espetáculo? Será que é a mesma coisa assistir — pela TV mesmo — a uma partida com 54.000 torcedores e outra com 5.400? Polêmica: será que a juventude de hoje nunca ter visto o Brasil parar para ver uma Final de Brasileirão não contribui pra arrefecer ainda mais o interesse dessa nova geração pelo esporte?

Enquanto a gente se depara com todos esses fatores, a Islândia leva cerca de 10% da sua população para a Eurocopa. A ilha com pouco mais de 300 mil habitantes já conta com pouco mais de 30 mil torcedores em solo francês. Famílias, amigos, idosos, jovens, homens, mulheres. É como se o Brasil levasse 2 milhões de torcedores para acompanhar a Copa América no, sei lá, Paraguai. Ou como se o Grêmio levasse 800.000 torcedores para uma competição em Buenos Aires. Gente, Caxias do Sul-RS tem pouco mais de 400 mil habitantes. A população da Islândia é menor! Ela seria apenas a 79ª cidade mais populosa do Brasil, situada entre Blumenau (SC) e Petrolina (PE).

Ao contrário do Brasil, de vastas possibilidades humanas e físicas para se praticar um futebolzinho maroto, a Islândia enfrenta um cenário de escassez: população enxuta e que, por causa das temperaturas baixíssimas e da falta de luz natural, fica impossibilitada de jogar futebol ao ar livre por cerca de oito meses do ano. A liga local geralmente é disputada entre junho e setembro. Mesmo assim, é o esporte preferido do país e há um técnico credenciado na Uefa para cada 500 habitantes islandeses. Na Inglaterra, por exemplo, o índice é de um para cada 5 mil. A Islândia também tem um campo de futebol — com grama artificial e coberto — perto de cada escola. A audiência da vitória islandesa sobre a Inglaterra foi de 99,3% no país. E a novela provavelmente não atrapalha a liga.

Texto desse tamanho e nem falei do planejamento da CBF (ou da inexistência dele) para o futebol brasileiro. É que tem muito beabá mais óbvio e básico pra ser repensado antes de chegarmos lá. Mas como exigir bom senso e competência de uma instituição podre, cheia de tretas, interesses e afins? O ex-presidente tá preso. O atual tem medo de sair do país pra que também não seja pego. E não vejo uma movimentação mínima — seja popular, seja midiática — para que mudemos esse cenário. A coisa vai longe ainda.

Conceitualmente, não somos o país do futebol há muito tempo. Vizinhos como Uruguai e Argentina nos dão um banho nesse quesito. Países que verdadeiramente respiram futebol. Possuem uma cultura futebolística muito mais bonita e madura que a nossa (basta ver comportamento de jogadores brasileiros x hermanos). Mas ainda assim, conseguíamos bater de frente com todo mundo. O talento que brotava aqui destruía as barreiras que poderiam atravancar nosso sucesso. Só que essas barreiras foram aumentando. O talento foi sucumbindo. As barreiras, encorpando. Chegamos ao ponto de não precisar mais falar conceitualmente. Falo na prática mesmo. Conceitualmente não há dúvidas: a Islândia é 300 mil vezes mais país do futebol que o Brasil. Mas na prática, se marcar um amistoso entre as duas, hoje em dia já é bem possível que vença o país cuja população equivale a um Bairro de São Paulo.

 

ESCREVEU LUCAS VON SILVEIRA

 

@lucasvon.

[No Medium: http://tinyurl.com/znunnq4]

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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