Omran e glória. A ilha de Lochte. Os jogos verazes.
– Vem, Omran, vem ver essa corrida. O moço corre mais rápido que o Super-Homem!
– Tô brincando de carrinho, pai.
– Vem, filho. Você não vai esquecer nunca mais.
– Não quero, pai.
– Corre, Omran. É rapidinho. Não dura nem 10 segundos.
BUM!
Não foi um raio como o usual Bolt passando pela sala. Foi uma bomba normal em Aleppo. Uma daquelas que já mataram quase 5 mil Omrans em 5 anos de guerra. Os cinco anos de Omran são cinco sem paz.
Ele, os irmãos e os pais sobreviveram ao bombardeio que minutos depois derrubaria todo o edifício onde moram na Síria. Onde forças que não interessam guerreiam há cinco anos contra forças que não interessam a respeito de algo que não interessa a todas as fraquezas. Até por pouco levantarmos a bunda do sofá e olhar para os Omrans como se fossem os meus Luca e Gabriel.
Não nos interessa. É triste. É pesado.
Omran está na ambulância depois de ter sido salvo. Até a próxima bomba. Passa bem agora. Só nós é que não podemos só ficar passados.
Ainda mais quando estamos com 206 países (ou mais) no Rio competindo em duas semanas de muita festa, medalha e, mais que tudo, respeito.
Se dá pra gente passar um tempinho superando limitações, será que não daria para um tempão da vida a gente não tapar os olhos para o mundo que está uma bomba?
O encerramento dos Jogos poderia ser o recomeço dos entendimentos. Que comecem os jogos verazes. Mas isso é algo que passa mais rápido que o Bolt.
Segunda-feira já volta a ser aqui uma ilha de Lochte. Um ponto perdido como bala no país que celebra a mentira descoberta que não encoberta a verdade que é a violência urbana. A intolerância institucional. Lochte também mentiu feio por saber que aquela lorota cola no país que não pega quem paga. No Brasil onde qualquer desculpa esfarrapada é verossímil. Arame farpado não cerca quem sabe escapar.
A cidade olímpica é um parque de diversas modalidades de tiro. As capitais caóticas não-olímpicas não têm legado esportivo e nem moral para cobrar nada além de imposto. O brasileiro é que vai pagar a conta que não fecha. Quadro de metralhas que roubam nossos cobres. Mortalhas que escondem nosso riso amarelo de tão verde que apagamos do mapa. Mortadelas e coxinhas no mesmo prato raso e ralo.
Omran está em choque como a gente. Só que o mundo se cobre de fuligem de quem finge que não vê.
Não sei se ele viu o Bolt. Eu pude ver ontem, não mais que 30 metros dos meus 7,5 de miopia e utopias. O que sei é que a vida tem sido meio que a emoção que o jamaicano nos dá em cada prova que vira festa para ele. Por menos de 20 segundos a gente sonha que o homem vai muito além de tudo que desejamos. Mas basta passar pela linha de chegada para tudo ficar muito devagar. Todo mundo correndo atrás. E quase ninguém chegando. Muitas vezes, não por falta de capacidade de quem se esfola. Apenas vontade de levantar da poltrona e cobrar quem está no trono. Arregaçar as próprias mangas para cuidar de quem como Omran vê o mundo desabar sobre a cabeça e sob os pés.
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