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Blog do Mauro Beting

Túnel do tempo. Fluminense 0 X 2 Palmeiras

Mauro Beting

29/08/2016 13h35

José Paulo de Andrade, bandeira do radiojornalismo brasileiro, já "sofreu" dois gols quando entrou nos tantos túneis paulistanos. O São Paulo do coração dele foi vazado duas vezes quando estava passando por uma dessas vias e o sinal da Rádio gritando gol dos rivais. Fez-se a sina: se o Zé Paulo está no carro, e o São Paulo está em campo, ele faz o caminho que for. Mas não entra pelo túnel para o Tricolor não entrar junto pelo buraco e levar um gol. Não por mérito do rival, ou culpa são-paulina: por absoluta irresponsabilidade do torcedor que não respeitou a superstição. Com zica não se brinca. 

Superstição, você sabe, explica mais o futebol que tantas coisas que nós não sabemos. Sobretudo nós, jornalistas esportivos. Pagos para tentar escrever e descrever o indescritível.  

No BR-09, faltavam sete rodadas para o fim do campeonato que seria conquistado pelo Flamengo de modo alucinante. O Palmeiras patinava. Perderia feio o título. Nem para a Libertadores se classificaria. Precisava ganhar do Goiás no velho Palestra. Jogo duro. Eu não estava comentando pelo rádio. O primeiro tempo, depois de muito tempo, pude ver em casa, com meu caçula Gabriel vestido de Cleiton Xavier, ausência sensível no meio-campo (como Love, como Pierre, como Maurício Ramos, como tantos no Palmeiras). 

No intervalo, fui pegar o filho mais velho, o Luca, na balada de Halloween. Ele já estava naquela de trocar o time incerto pelo namoro certo. Mas com o coração no rádio. Como eu, ouvindo os amigos e colegas de Bandeirantes Ulisses Costa e Claudio Zaidan comentando o início de segundo tempo ainda melhor do Palmeiras. Eram quatro minutos e eu entrei no túnel da Juscelino Kubitschek. Na hora lembrei do que o Zé Paulo havia comentado. A tal história do gol do túnel. Que ele evitava túnel para o time dele não sofrer gol. Eu não tive dúvida. Se vinha duvidando do Palmeiras, como jornalista e, mais ainda, como palmeirense, não tive um segundo de hesitação: vai sair o gol do Verdão. "Tá na cara"! A minha superstição – que não existia – será entrar no túnel! Que a bola vai entrar no gol do Goiás! Vai ser o contrário do Zé Paulo! Vai ser gol do Palmeiras!

Segundos depois, o som da rádio voltou no fim do túnel. Não havia uma luz no fim dele. Havia um som. Um gol. O primeiro áudio compreensível era "…rdor da partida / transf…" do hino do maestro Totó. Ulisses Costa gritando "Obinaaaaaa". O celular tocando com o meu Gabriel berrando de casa e anunciando a ótima nova. Gol de Obina. 1 a 0 Palmeiras. Seria 4 a 0. Eu ganhava uma superstição para o BR-09. 

Eu e o doutor Rubens Sampaio, ortopedista do Palmeiras. No dia seguinte ele leu no meu antigo blog a história acima. No domingo tinha Dérbi em Presidente Prudente. Pelo rodízio, outro médico do Palmeiras estaria no banco ao lado de Muricy. Rubão teria de ficar em casa, vendo pela TV. Mas o coração não deixou. Ele pegou o carro e saiu pelas ruas paulistanas. Tentou não ouvir rádio. Não aguentou. Ligou na rádio onde eu comentava. O Corinthians vencia por 2 a 1. Faltava pouco tempo. O desespero bateu. Rubão lembrou meu texto. Não teve dúvida. Pensou qual era o túnel mais longo ali perto. O Ayrton Senna, sentido aeroporto. Lá foi ele sem direção, mas com propósito. Acelerou até chegar. Quando entrou no túnel debaixo do Parque do Ibirapuera, tirou o pé. Quanto mais tempo passasse por ele, mais chance teria de o Corinthians cometer uma falta tola, Figueroa cruzar para a área e Mauricio empatar o jogo de novo, aos 38 minutos do segundo tempo.  

Rubão saiu do túnel em uma das 79 letras O narradas pelo Silvério antes de gritar "do Palmeiras". O doutor Sampaio nem precisou ouvir que time havia marcado. Ele sabia que era gol do Palmeiras. A superstição que ele "aprendera" comigo e que eu copiara do Zé Paulo se confirmara em Presidente Prudente. Entrou no túnel saiu gol do Palmeiras. Palavra de médico. 

Túnel prefeito Marcello Alencar, em agosto de 2016, no Rio de Janeiro. Depois de comentar a vitória do Figueirense contra o Santos pela Jovem Pan, peguei um Gol (que não se perca pelo nome da companhia) para o Rio para comentar dois programas à noite no Fox Sports. Graças às maravilhas da telefonia, meu 4G era um 0PQP ao chegar. Não conseguia ver o jogo no aplicativo. Nem acessar o minuto a minuto do nosso UOL. Quando tentei ligar para o mesmo Gabriel de sete anos atrás, ainda mais palmeirense, entrei no novo túnel. O maior urbano do Brasil. 

No momento só pensei que demoraria mais um tempo para saber como estaria o jogo de Brasília, onde de novo o Palmeiras se sentiu mais em casa que o mandante Fluminense. Pelo que tem jogado o time de Cuca, e por aquilo que tem gritado o palmeirense. 

No meio do túnel lembrei do Rubão. Da zica do Zé Paulo. Do gol de Obina em 2009. Não aquele contra o Fluminense, mal anulado pelo meu querido colega e amigo Símon. Mas do primeiro contra o Goiás. O do túnel. Vai que no Mané, de repente, o Jean pega um rebote tão lindo como aquele mortal do Dudu no primeiro gol. Vai que a Lei do Ex será do Jean, não dos Henriques, Marquinho, William Matheus, Cavalieri…

Saí do túnel. O táxi ouvia o Flamengo vencendo a Chapecoense quando o plantão informa que Jean amplia no Distrito Federal: 2 a 0 Palmeiras. 2 a 0 túnel. 
Meu 4G seguiu pifado e morto. Mas eu mais vivo pelos Gs que gritei saindo pelo centro do Rio. 

É a melhor e mais convincente explicação pela grande fase palmeirense. O túnel. Incluindo o túnel do tempo. 

Parece 2009. Até pela força do Flamengo. Mas vejo mais a luz verde nesse túnel que em 2009. 

Podemos discutir. Mas qualquer coisa, eu vou para o túnel. 

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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