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Blog do Mauro Beting

Tombos. As quedas da Lusa. De A para D

Mauro Beting

18/09/2016 18h50

A queda da Lusa em Tombos.

Tombos, Zona da Mata de Minas Gerais, 17h55 de 18 de setembro de 2016.

Município que tem o nome inspirado nas três quedas d´agua do rio Carangola. Era Tombos de Carangola. Ficou só Tombos.

Onde fica a sede do Tombense que enfrentou a Portuguesa das três quedas de divisão. Em 2013 foi de A para B na canetada fora de campo, na cafajestada armada por gente de dentro e de fora. Em 2014 foi de B para C, como lanterna da Segundona. Em 2015 a Lusa chegou até a segunda fase da Série C. Em 2016 ela bate no fim do fosso, caindo de C para D.

O Santa Cruz sofreu por lá, é sabido, e foi recente. Mas tinha mais gente no Arrudão na quarta divisão que em muitos dos campos de primeira.

A Portuguesa irá seguir sofrendo na quarta em 2017 pelos que a levaram e largaram no quinto dos infernos. E sem torcida para encher o Canindé como o Santinha. Sem elenco para vestir essa camisa. Sem gente para gerir o que sobra do futebol do clube. Com os diabinhos que a afundaram com os piratas do Tietê. Com a degradação de uma história. Com o degredo forçado de quem está desamparado, desarmado, desalmado, desanimado.

Não sei qual o time da Lusa. Sei apenas que o técnico que chegou agora a dirigiu por quatro partidas. Mal conheço o presidente do clube. Conheço gente séria e bem intencionada que dentro e fora está dando uma mãozinha para dar jeito.

Mas tem jeito?

Há quase 20 anos, eu estava no Olímpico pelo Sportv comentando a Lusa que segurava o Grêmio multicampeão de Felipão. Um a zero vencia o Tricolor. Mas precisava de mais um gol para ser campeão brasileiro de 1996. A torcida gremista começou a gritar "olê, olê, olê" quando a bola era trocada na zaga. Carlos Miguel lançou na frente, César cabeceou tirando de perto da meta, mas Ailton encheu a canhota, aos 39min34s. Bomba sem chance para Clemer. 2 a 0 Grêmio, Lusa vice-campeã.

Hoje estou na cabine do Fox Sports depois de Espanyol 0 x 2 Real Madrid com o celular ligado no Esporte Interativo vendo o final de jogo. Meu amigo Luiz Gustavo Fôlego viu a partida inteira pela TV. Fazendo as contas a favor da Lusa. E nem elas ajudavam.

17h55 ele mandou o WhatsApp.

"Caiu".

Mas, diferente da raiva de 2013, e do choro que tive escrevendo sobre a nova queda em 2014, agora anestesiei. Lembrei apenas de 1996. Dos amigos Flavinho e dos filhos dele, Julinho, Medeiros, Edu Affonso, Duarte, Alê, Ameixa, Raquel, Orlando, Nipojapa. E quem mais?

Poucos. Mas bravos. Fortes.

Não desistam, como eu estou desistindo. Resistam, como o amigo Oscar Pardini tenta algo nas redes sociais. Como o futebol paulista, pelos outros grandes e FPF, poderia ajudar.

Façamos algo pelo clube que caiu em Tombos.

Mas que ainda resiste. Eu acho. Ou ao menos torço.

Estou triste, mas não devastado como fiquei em 29 de outubro de 2014, quando escrevi o texto abaixo, no meu blog, depois da queda de B para C, em Itápolis.

 

Inspirado ao som de THE GIRL FROM THE NORTH COUNTRY, na devastadora versão de Bob Dylan com Johnny Cash.

 

Se você for pro Norte, me avisa e veja se ainda tem um time de futebol lá no Canindé.

Se você chegar na Marginal e enxergar um monte de camisas verdes e vermelhas, mande um abraço para cada uma. Abrace bem forte e nem diga o porquê.

Abrace.

Se você chegar lá e bandeiras estiverem tremulando, saiba que você está no lugar certo, mas com gente errada por perto. Não as que estão vibrando por nada que é tudo. Mas pelos errados e incertos que deixaram as coisas quebrarem em um mundo de quebradeiras econômicas e quebradas perdidas.

Se você for para o Norte da capital e enxergar uma arquibancada vazia, saiba que nunca foi assim. Não são muitos, mas parecem tantos. Serão cada vez menos, mas muito mais que muitos tantos.

Eles são fortes. Eles são de luta. Eles são Lusa.

Força a esses.

Forca àqueles!

Os que destorcem. Os que não torcem. Distorcem. Destronam. Detonam. Derrubam.

Os fortes são os que são Portuguesa sem saber como quando quanto com quem por quem porquê.

Quando você for para o Norte da cidade, talvez você encontre gente sem Oeste de Itápolis, sem Leste do Corinthians, sem Sul do São Paulo, sem Norte, bússola tonta, biruta besta, súmula adulterada.

Você vai ver no Canindé gente de verdade. Gente que está perdida, mas não vencida.

Muito menos vendida como os vendilhões do templo de segunda categoria e terceira divisão.

Você que vai pro Norte da capital vai ver gente que torce por um time que só sabe cair, só sabe sair.

Quando você chegar ao Canindé vazio de ideais e de gente, olhe bem. Você vai enxergar quem não está mais lá. Mas esteve lá para construir o estádio e o clube.

Gente que nem jogou por lá. Djalma Santos. Julinho. Ivair. Leivinha.

Estão todos lá em cada pedra perdida, em cada canto do campo de cimento amado.

Enéas está chateado com Badeco em um canto. Edu Marangon está lamentando com Jorginho. Zé Roberto e Rodrigo Fabbri  só olham para o gramado.

Quando você for pro Canindé, diga àquele senhor que vende caldo verde e uns docinhos com nomes engraçados que eles são deliciosos. Mesmo que não sejam mais. Ou nunca tenham sido.

Nem lembro mais se eu comi docinhos por lá.

Tremoço, sim.

E como comi!

A memória é seletiva. A Lusa que não foi ao escolher  quem a dirigiu e desgovernou e colidiu feio na Marginal.

Matando quem está dentro. Morrendo como no acidente de Dener.

Mas não é fatalidade. É fato. Foi mal feito. Foi desfeito. Fede. Apodrece.

Como o rio que não mais corre no Tietê. Morre por ali.

A Lusa não morreu. Mas vai matando.

Lembro a minha última visita ao Canindé para comentar algum jogo abaixo do nível da história do time de 1952, de 1955, de 1973, de 1985, de 1991, de 1995, de 1996, de 1998. O elevador parou de funcionar ao final da partida melancólica como um fado de Amália.

No mostrador de andar do último do elevador, tinha um ponto de interrogação.

O elevador não sabia onde estava. Para onde ia. Se estava. Se funcionava. Estava em dúvida. Dívida. Não sabia. Certamente não subiria mais. Provável que só descesse. E pra além do térreo. Pro segundo nível. Agora pra terceira.

Por quem a mandou das quintas do Pari pro quinto dos infernos.

Quem pariu o belzebu que pegue os lupas e os lanternas e vá viver e morrer nos idílios e llídios do fundo do tacho do STJD do capeta e dos capatazes incompetentes que foram além do poço. No fundo da fossa. Da vala comum onde enterraram nesse vale tudo gente que vale nada pela velhacaria que fez ou deixou fazer.

Não sei se é caso de polícia ou de incompetência.

Ou tudo ao mesmo tempo em dias de vacas macérrimas e burros acérrimos.

Só sei que eu peço pra quem for para o Norte nos próximos dias que prometem ser meses que deverão ser anos que abrace esses fortes.

Essa gente que não torce para ser campeã.

Torce para ser o que é – gente que gosta sem precisar de nada, nem de título, nem de vitória, nem de primeira, e, agora, nem de segunda.

É Lusa por ser Lusa. Basta.

Mas chega de tanta besta e de tanta bosta lá no Canindé.

Perdão pela palavra feia.

Mas tem mais coisa feia lá no Norte.

A queda da Portuguesa é mais que a derrota de um time e a derrocada de um clube.

É  perda de uma identidade. De uma referência de luta. De uma reverência de clube.

De uma gente que tanto batalha, que Aljubarrota, que ajuda, que arrebata, que abarrota. Que perde o rei em Alcácer-Quibir, mas não a majestade, não a realeza, não a riqueza.

Dias pobres e podres no Canindé.

Não sei quando volto lá.

Para você que for ao Norte da cidade, mande um abraço a todos.

Eles estão precisando.

E se você não achar ninguém na terra arrasada, saiba que ali vai sempre ter muito amor. Um carinho que quem tem sabe.

Se você for para alguma feira lá pelo Anhembi ou pelo Center Norte, perto de onde o vento bate forte lá no alto do estádio e das cabines do Canindé, tente lembrar a quem anda vive e revive e resiste por lá que algumas vezes eles não foram o meu verdadeiro amor.

Mas que eles são o verdadeiro amor por um clube.

Bravos da Lusa, um brinde de vinho.

Verde, claro.

 

Foi assim em 2014.

Não sei o que será em 2017. Só desejo uma coisa:

Volta, Lusa.

 

 

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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