Topo

Blog do Mauro Beting

El Cid, o campeador do campo dos sonhos

Mauro Beting

18/12/2017 18h54

Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs) são papéis públicos para pagar IPTU e ISS que podem ser mais privados que sociais. Ainda que atendendo e atingindo um enorme público pagante e não-pagante como o do Corinthians.

Os CIDs para desenvolverem a região de Itaquera são mais do que bem-vindos. E eles existem desde 2004. Desde que não sirvam apenas para pagar as impagáveis contas da Arena Corinthians. Subsídios para construir o estádio paulistano para a Copa-14 eram compreensíveis. Geraram empregos e riquezas com as partidas da Copa sem contrapartidas em São Paulo. Mas tantos quanto os 420 milhões acordados no apetite por ser sede?

Só agora tem gente abrindo os olhos para as contas que não fecham. E ainda tem os 45 milhões arrumados pela Câmara Municipal no presente natalino para o orçamento de 2018. O prefeito João Dória ao menos deu um jeito de não ser o total absurdo de 350 milhões pedidos pelo vereador primo de candidato à presidência do clube. Como explica o colega Rodrigo Capello, não é um dinheiro a mais além daquela bola. É parte daquela dinheirama enfiada nas contas do ano.

Não foi criado um novo pólo indutor como foi o estádio. Ele já está lá. Concluído. Não pago. E isso não pode ser motivo para novo subsídio que beira à subvenção.

Deu-se um jeito. Não um desconto.

Os clubes de futebol são patrimônio das cidades. Compreende-se. Mas não podem ser assim tão especiais. O Trio de Ferro já ganhou as áreas especiais para tocar seus CTs. Em condições ainda mais especiais na Barra Funda (São Paulo e Palmeiras), e no Parque Ecológico (Corinthians). Benesses não necessariamente para o bem comum dos cidadãos. As contrapartidas quase nunca são realizadas. Como o parque público prometido pelo São Paulo quando ganhou da empresa Aricanduva a área do clube e do estádio do Morumbi, em 1952.

Itaquera já era um presente ao Corinthians desde a concessão por 90 anos da área em 10 de novembro de 1978. O prefeito biônico Olavo Setúbal cedeu em solenidade com o governador Paulo Egídio Martins e o presidente-general Ernesto Geisel um terreno de 197 mil metros quadrados para a construção (até no máximo 1984) do "maior estádio do mundo", nas palavras do presidente corintiano Vicente Matheus. "Maior do que o Maracanã". Com mais de 200 mil pessoas, então.

O Coringão (não havia naming rights, na época).

Ícaro de Castro Melo assinou o projeto. "Com 1 bilhão de cruzeiros se constrói qualquer pontezinha hoje".

A venda de 1.500 camarotes para até 20 pessoas garantiriam o dinheiro para a obra, achava o arquiteto. O estacionamento teria espaço para 20 mil carros. Mais o metrô que logo chegaria ao bairro.

Até um telão estava projetado na bela maquete apresentado ao presidente da ditadura militar. Geisel ficou maravilhado.

O futuro governador Paulo Maluf, também. Ainda mais com o discurso lido – mas não escrito – por Matheus:

⁃Os corintianos de todo o Brasil responderão "presente" ao gigantesco desafio que lhes é lançado para a edificação da sua casa. À semelhança como respondeu toda a Nação ao chamamento da Revolução de 64, para a edificação da grande Pátria brasileira, rumo aos seus destinos de potência mundial!

Não ficou pronto até "no máximo" 1984, como divulgou a imprensa apaixonada, num cálculo otimista. Só ficaria pronto em 2014. Em tempo recorde. Com outros agentes. Dinheiros. Embora muitos do mesmo caixa.

Como outras maquetes paulistanas não saíram dos coquetéis. O Palestra Italia coberto em 1996. O Projeto Morumbi 2000 lançado em 1997. Todos ousados. Inventivos tanto quanto queriam incentivos públicos e motivações privadas. Lindos como o da Hicks Muse para o Corinthians na Raposo Tavares, em 2000. Projetos que não saíram do papel. Até por não ter papéis que hoje tentam pagar o papelão alheio e apagar o fogo eterno.

Todos apenas maquetes. Alguns por motivos mequetrefes. Muitos por falta de dinheiro privado. Ou de uma parceria pública tão boa quanto tem sido a do Corinthians em Itaquera. Desde 1978.

Poderia ter sido antes o sonho de casa própria corintiana. Antes de erguer o Allianz Parque com e para o Palmeiras em 2014, a WTorre tinha quase tudo certo com o Corinthians para fazer um novo estádio na Zona Sul. Mas Alberto Dualib, às turras e torrando tudo com a MSI, acabou roendo a corda e o acordo. A construtora se acertou com o Palmeiras Embora há dez anos eles se desentendam.

Agora é outra história na Zona Leste. Na mesma geografia de Itaquera que precisa dos CIDs. Mais do que o Corinthians. Como cidadão, topo negócio. Como palmeirense, também topo. Desde que os certificados ajudem a região. E não quem lá chegou na canetada em 1978 de um governo autoritário querendo voto. E não apenas depois para viabilizar mais um estádio no Mundial da Fifa em 2014. Mais do que a nova e bela casa própria corintiana.

Pela inflação, o que eram 420 milhões de reais em CIDs já viraram mais de 470. Essa isenção de impostos na prática ajudou a pagar as contas impagáveis da Arena Corinthians. E ela sobra para o povo. Não o alvinegro. De todas as cores.

Até agora, foram vendidos pouco mais de 42 milhões de reais em CIDs. Um ótimo dinheiro. Ainda insuficiente para cobrir o rombo. Mas melhor que qualquer outro incentivo já recebido pelo São Paulo e Palmeiras (que comprou o Parque Antarctica em 1920 com recursos de parceiros privados e construiu o Allianz Parque com dinheiro privado do parceiro).

Topo o negócio dos CIDs. Desde que desenvolvam mesmo Itaquera. E não sejam apenas mais um jeito de quem deve não pagar as contas que sobram para todos os cidadãos.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

Blog do Mauro Beting