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Blog do Mauro Beting

31 de março: clubes não são a favor ou contra ditadura, são os seus dirigentes que definem suas políticas

Mauro Beting

02/04/2019 17h04

Antes de tudo: quem aqui escreve é um cidadão como qualquer outro. Nem mais e nem menos. Mas respeitável como qualquer outro. Que pede e também exige respeito por seu voto. E que o direito a ele seja sempre respeitado por quem tem a caneta, tenha ou não coturno ou cultura.

Ele não votou no presidente eleito em 2018. Em nenhum turno e hipótese. Ele já votou muitas vezes no PT, poucas no PSOL, PSB e PSDB, e votou até no antigo PMDB. E alguns candidatos de outras legendas à esquerda.

O autor deste texto também já anulou e enojou votos em algumas nulidades.

Quem aqui escreve DEPLORA ditadura. Qualquer uma, à sua direita e à esquerda dele. LAMENTA extremas políticas, embora goste de extremas nas pontas como Garrincha e Pepe.

O jornalista que aqui assina é um dos raros não-corintianos que participaram do belíssimo documentário DEMOCRACIA EM PRETO E BRANCO, de Pedro Asbeg. Ele também assinou o prefácio da biografia de um querido ídolo, colega e amigo Sócrates, escrita pelo craque Tom Cardoso.

Ele era o único palmeirense na cerimônia em que o Doutor ganhou um busto no Parque São Jorge.

Um palmeirense que já disse que chegou a não torcer pelo time alvinegro. Mas pelos ideais verde-amarelos daquela democracia no Parque São Jorge em 1982-83. Movimento que foi muito além do esporte, das cores, dos muros e dos murros.

Falo tudo isso que já havia dito antes só pra reiterar que o texto abaixo é muito mais político do que clubista. E para lembrar que os clubes não são mais "democráticos" porque em 2019 condenam o Golpe Militar de 1964, e são "fascistas" porque a apedeuta correspondente do EL CLARÍN disse na festa do decampeonato brasileiro de 2018 que o Palmeiras era totalitário. Ou mesmo que havia sido antidemocrático quando os ditadores brasileiros de 1942 entraram em guerra contra os ditadores italianos, obrigando por aqui, de modo intolerante, preconceituoso, arbitrário e inominável a mudança do nome de pessoas jurídicas e até físicas que tivessem origem italiana, alemã ou japonesa no Brasil.

Bem fizeram os clubes que agora se manifestaram e repudiaram a ditadura imposta em 1964. O Golpe que no colégio ensinaram como "Revolução". Ou "Contragolpe" como defendia e atacava Brilhante Ustra.

Mas deixando o viés ideológico, e apelando apenas aos assim chamados "homens de bem" – com ou sem muitos bens. Aos "pais de família" – tendo ou não: os clubes são (ou se manifestam) de acordo com seus líderes.

Só isso.

Em comum, as mesmas cores. No mais, como qualquer instituição, e suportada por milhões, vários são os tons das cores, credos e ideologias.

O Corinthians que bravamente empunhou a bandeira da Democracia em 1982 em campo e fora dele, dentro do clube e pelo país comandado pelo cartola Adilson Monteiro Alves, é o mesmo Corinthians do anúncio adesista abaixo, publicado no DIÁRIO POPULAR em 16 abril de 1964, quando Castello Branco assumiu como primeiro presidente militar depois da deposição de João Goulart:

Quem publica a propaganda adulatória do novo presidente da ditadura recém instalada depois do Golpe foi o então presidente corintiano: Wadih Helu. Advogado que seria eleito pela primeira vez em 1967 pela Assembleia Legislativa paulista. Pela Arena que virou PDS em 1980. Wadih depois migrou pra outros partidos menores, até o último mandato, terminado em 2003. Além de ter sido secretário do governador biônico Paulo Maluf, como legado policial deixou também as injunções políticas que levaram à prisão de Wladimir Herzog, em 1975.

Presidente corintiano e continuísta, de 1961 a 1971, seus plenos poderes levaram à criação da Gaviões da Fiel em 1969. Também pra combater Wadih.

Mas não foi só esse um presidente plenipotenciário no clube e em outros grandes paulistas. O sucessor de Wadih foi Vicente Matheus, de 1971 a 1981. Outro que ficou além do tempo no comando do clube. Mas ele era um "democrata progressista" admirável se comparado a Wadih e seus modos.

Matheus era o presidente do clube quando o Corinthians conquistou o primeiro turno do SP-74, quatro semanas antes da eleição para o Senado que acabaria sendo vencida em São Paulo pelo oposicionista Orestes Quércia (MDB), um candidato não muito distante na prática do malufismo patológico que apoiava o arenista Carvalho Pinto.

Veja na foto abaixo o anúncio de jornal de 13 de outubro de 1974 do "Programa da Arena" na TV. Evidente abuso de proselitismo eleitoral aproveitando-se da conquista de campo do Corinthians. "Celebrada" politicamente pelo então governador estadual Laudo Natel, ex-presidente continuísta do São Paulo, e pelo prefeito paulistano Miguel Colassuono, grande palmeirense.

(Laudo Natel que já não era mais presidente do São Paulo quando sentava num banquinho ao lado do banco de reservas tricolor no Morumbi e assistia aos jogos. Governador da ditadura no auge da repressão dentro do gramado. Nem Mussolini fez parecido – por mais que os perfis sejam muito distintos).

O futebol sempre foi usado indevidamente por políticos. Até por parlamentares respeitabilíssimos como Ulysses Guimarães, que foi cartola do Santos e até da Federação Paulista antes de ser eleito pela primeira vez. Muito pela sua atuação como dirigente esportivo.

Athiê Jorge Cury é outro santista político. Mas foi antes goleiro do clube, nos anos 30-40, e presidente santista no auge da Era Pelé, de 1945 a 1971 (o mais longo continuista de todos que não foram poucos no futebol paulista). Ele foi vereador em Santos em 1948 e deputado estadual e depois federal de 1950 a 1982. Ligado a Adhemar de Barros e o PSP deles.

Mas foi todo o Santos FC adhemarista? Todo clube se confunde politicamente com seus líderes?

Luiz Gonzaga Belluzzo tem ou já teve portas abertas no PMDB, PT e PSDB. Presidiu o Palmeiras sem inclinações ideológicas. Como Paulo Nobre, que foi convidado a se candidatar ao governo estadual e não quis, em 2018. Palmeiras que tem torcedores políticos como o comunista Aldo Rebelo e o ex-governador José Serra, e outros mais à direita antes e depois de Mussolini. Como qualquer clube.

Como foi todo o Corinthians a favor do Golpe de 1964 como Wadih?

Não seria necessário responder. Mas o Fla-Flu dos últimos anos leva aos exageros de todas as partes emburradas e embrutecidas.

O Corinthians não foi só o da Democracia como não foi só o da Ditadura quando Vicente Matheus, em 10 de novembro de 1978, ganhou a concessão por 90 anos da área de Itaquera. O prefeito biônico Olavo Setúbal cedeu em solenidade com o governador biônico Paulo Egídio Martins e o presidente-general Ernesto Geisel um terreno de 197 mil metros quadrados para a construção (até no máximo 1984) do "maior estádio do mundo", nas palavras do presidente corintiano Vicente Matheus.

"Maior do que o Maracanã". Com mais de 200 mil pessoas. O Coringão (não havia naming rights, então). 

Ícaro de Castro Melo assinou o projeto. "Com 1 bilhão de cruzeiros se constrói qualquer pontezinha hoje [em 1978]". 

A venda de 1.500 camarotes para até 20 pessoas garantiriam o dinheiro para a obra, achava o arquiteto. O estacionamento teria espaço para 20 mil carros. Mais o metrô que logo chegaria ao bairro. 

Até um telão estava projetado na bela maquete apresentado ao presidente da ditadura militar. Geisel ficou maravilhado. 

O futuro governador Paulo Maluf, também. Ainda mais com o discurso lido – mas não escrito – por Matheus:

"Os corintianos de todo o Brasil responderão 'presente' ao gigantesco desafio que lhes é lançado para a edificação da sua casa. À semelhança como respondeu toda a Nação ao chamamento da Revolução de 64, para a edificação da grande Pátria brasileira, rumo aos seus destinos de potência mundial!"

O estádio que deveria ter sido concluído em 1984 só foi concluído em 2014. Graças a uma construtora que fazia tabelinha com o ex-presidente da República Lula, também conselheiro do clube.

Uma das poucas semelhanças entre Geisel e Lula foi o desejo de desenvolver Itaquera e, lá, um estádio para o Corinthians. Construído pelo ex-atual presidente Andrés Sánchez, ex-deputado federal pelo PT.

Neste texto, em O NOSSO PALESTRA, falo mais de outros presidentes e suas paixões futebolísticas (ou a ausência delas). https://www.diariodocentrodomundo.com.br/carta-ao-presidente-do-brasil-nao-do-brasileirao-por-mauro-beting/amp/

Neste que aqui acaba, quero apenas lembrar que a posição dos clubes dependem do presidente de plantão.

Sempre.

É só estudar. É só fazer a lição de casa que a correspondente argentina não fez. Ou bebeu das fontes estragadas. Ignorância e intolerância que faz perder a razão quem a tinha.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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