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Blog do Mauro Beting

Coisa de cinema. Ajax 2 x 3 Tottenham.

Mauro Beting

08/05/2019 19h05

IMAGEM: CAROLINA ALBUQUERQUE (TNT/ESPORTE INTERATIVO)

A terceira bola de canhota de Lucas Moura, a terceira na rede do Ajax na segunda etapa em Amsterdam, entrou um segundo depois de expirar o tempo regulamentar dado pelo árbitro na Johan Cruyff Arena (que não se perca pelo nome vencedor). Parecia contagem de bomba atômica desativada em MISSÃO IMPOSSÍVEL. E ela detonou a maior alegria dos Spurs em 136 anos de clube.

Minutos depois, com a virada espantosa em jogo (acredite) ainda mais espetacular que os 4 a 0 de Anfield na véspera, o hat-trick do brasileiro que não servia ao PSG (e que de fato só começou o jogaço pela lesão de Kane) detonou talvez o maior aplauso já ouvido por uma equipe derrotada e desclassificada. O torcedor do Ajax aplaudiu seu time tão encantador quanto o tri de Cruyff em 71-73, e o campeão de 1995 de Van Gaal. Um Ajax que venceu lindo em Londres (mais uma vez) e perdeu bonito na Holanda.

Se é que se perde algo em partida belíssima de dois times que atacam diferente. Jogam diferente. Investem diferente. Pensam diferente.

Mas, no fundo da alma de onde tiraram outra partida antológica, jogam o mesmo jogo que todos amamos. E aplaudimos de pé vencedores e "perdedores". Como se fosse Sarriá em 1982. Como se Lucas Moura fosse Paolo Rossi.

O que o Tottenham de Pochettino fez na segunda etapa foi de encher os olhos d'água e esperança. E fez meu texto abaixo só não ir pra lixeira virtual porque a vida é assim. E a gente insiste em peitá-la. Ou despeitá-la.

No intervalo, escrevi o que me parecia definido – ainda que antes de o primeiro confronto na abismal nova casa do Tottenham, eu tenha dito que os Spurs iriam se classificar, mesmo que eu gostasse mais do jogo e do jeito do Ajax.

Seguem as linhas do intervalo já "projetando" a classificação holandesa…

(Futebol não é só instinto. É estudo. O que faltou também ao bravo Tottenham que joga muito – mas novamente não tinha Kane e também o melhor de seus ótimos jogadores. Clube que surpreendeu até as semifinais, mas não soube blindar o excelente Lloris com menos de 5 minutos. Escanteio da direita depois de impressionante defesa do francês. Bola no meio da área idêntica àquela com que De Ligt fuzilou a Juventus na virada em Turim. Bobeada semelhante. Deixaram o excepcional capitão de apenas 19 anos se desvencilhar de Trippier e ganhar de Dele pelo alto. Como parece que De Ligt ganha todas as bolas. Pelo alto ou por baixo. Como não lembro ter visto zagueiro tão bom com tão pouca idade.

Gol desse monstro líder dos monstrinhos de Amsterdam. Em menos de 5 minutos cancelando a hipótese de prorrogação. Evitando que a ausência pouco antes do jogo de David Neres impedisse o Ajax de ser o que é. Ten Hag teve que escalar o esforçado Dolberg no comando de ataque e abrir Tadic pelo lado esquerdo, mas flutuando e cortando por dentro – onde se sente mais confortável. Como Ziyech sempre vai por dentro. Quando não do outro lado.

E ainda tem De Jong para organizar atrás. E Van de Beek para ser um novo Neeskens todocampista desse Ajax que honra o tricampeão europeu dos 70, e o campeão de 1995. Equipes excelentes que jogavam bonito e subjugavam os rivais de modo leal à filosofia ofensiva do clube e de sua escola.

Jogo que também deixa jogar. O Tottenham mostrou suas qualidades e mandou bola na trave aos 5. Mostrou Eriksen e Dele mais vivos, Son e Lucas Moura perigosíssimos vindo pelos lados. Com 25 minutos já tinha quatro chegadas perigosas na área de Onana. E não é fácil fazer isso e ceder poucas chances para um time tão técnico, tático, movediço, incisivo e dinâmico como o Ajax.

A equipe que faria mais uma linda jogada bem trabalhada que daria no gol de Ziyech, aos 34. Quando a bola foi roubada e rolada numa velocidade e inteligência admiráveis. Van de Beek pisando sempre na área. O Ajax tocando de novo os céus.

Lembrando um time que nos anos 70 marcava adiantado, roubava bola lá na frente, fazia arrastões contra rivais, trocava bola e funções rapidamente, não guardava posições, e encantava.

Sim. Era o Ajax.

Para encantar o nome do estádio. O inspirador de tudo isso de bonito que o Ajax 3.0 tem feito).

Agora o texto que escrevi depois do jogo que nos deixa sem palavras…

Na segunda etapa, Llorente veio pra campo no lugar de Wanyama para comandar um ataque que criou mais. Com Eriksen mais atrás e Dele mais à frente. E quando chegou mais à frente, Onana salvou gol certo, aos 7. Mas não teve como segurar logo depois espetacular contragolpe dos Spurs, em golaço de Lucas Moura, em jogada de altíssima velocidade e categoria.

Com Eriksen mais recuado para armar, o Tottenham cresceu. E chegou ao empate de novo com Lucas, depois de milagre de Onana, que se atrapalhou com Schone no rebote e deu o gol a Moura, aos 13.

O Ajax mudou. E a trocação ficou ainda maior. O dono da casa mandou bola na trave, raspando a meta de Lloris. Jogo insano da Champions mais maluca. Enlouquecedora como a chance, ou melhor, as chances que Vertonghen teve aos 40, negadas por Onana, travessão e zaga holandesas.

Daquelas pra decretar que aquela não seria a noite. Não fosse mais uma noite europeia de antologia.

Até a bola longa que Llorente mais uma vez foi determinante, quase aos 50 minutos. Até Lucas Moura pegar o rebote do lance e chutar dividindo a bola com De Ligt que prostrou o Ajax e prestou mais uma vez pra gente mostrar como não sabemos nada de bola. E de vida.

Não dá pra controlar nada. Prever nada. Escrever antes da hora.

Tudo ainda pode ser reescrito. E não apenas pelo "noviciado antigo" desses meninos que jogam o mesmo jogo admirável desde o final dos anos 60. Também pela revitalização desses Spurs de 136 anos que têm o melhor time de sua história no mesmo momento que fazem um monumento de estádio novo.

Um time tão bom e tão legal de ver que não tem como lamentar a eliminação de uma alegria de futebol como o Ajax.

Porque a emoção de gostar mais de futebol que dos modelos de jogo vence tudo.

E nos dá dois grandes vencedores como Tottenham e Ajax.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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