Botafogo campeão. 30 anos depois de 21.
Desde 1968, quando um timaço com Jairzinho, Gérson, Paulo César Caju e grande companhia foi bicampeão carioca e também vencedor da ultima e bagunçada Taça Brasil (só conquistada no final de 1969), o Botafogo não vinha sendo Botafogo. General Severiano não era mais. Marechal Hermes também não havia sido o lugar. Times frágeis e revelações esparsas mal ficavam no clube que ficava de mal com a história gloriosa.
Dívidas. Dúvidas. Divididas perdidas. Campeonatos vencidos pelos outros ou mal disputados pelos próprios.
Até 21 de junho de 1989. Maracanã. Noite de quarta.
O primeiro estadual desde 9 de junho de 1968.
Domingo no Maracanã. Com feio céu de chumbo como os dias daquele Brasil ditador. Cinza como as belas meias botafoguenses. "Mau tempo como o 5º ato de Rigoleto" escreveu no dia seguinte Nelson Rodrigues, em O GLOBO. "A maioria no Mário Filho era Vasco. Ou antibotafogo". Então campeão de 1967. Bicampeão em 1968 porque Jairzinho "desintegrou a defesa do Vasco" e Gerson esteve em "furioso estado de graça", nas imagens rodrigueanas do espetáculo para 120 mil pagantes.
E 21.511 pagantes.
21! Jamais esqueça esse número se você é Botafogo de 1989. E pra sempre.
Porque pouco mais de 21 anos depois dos 4 a 0 no Vasco no RJ-68, em 21 de junho de 1989, no Maracanã, o Flamengo tinha melhores jogadores do que o Botafogo. Muuuito mais dinheiro. Mas não foi mais time. Também porque naquela quarta-feira à noite, quando a equipe de Telê estava melhor, perdeu num só lance uma ótima chance e o atacante Alcindo, lesionado. O Botafogo equilibrou.
Ricardo Cruz fez ótimas defesas, a melhor numa cabeçada de Bebeto no ângulo, aos 38. Até Zico também sentir lesão muscular aos 9 do segundo tempo. Ele estava saindo de campo quando Ailton foi derrubado na entrada da área. Zico ficou só pra bater a falta. Não teve botafoguense vivo ou morto que não imaginou o pior. Tinha que ser naquela hora? O mundo via. O Botafogo antevia. Vai ser gol de Zico. Claro! O artilheiro do Maracanã. Ele bate a falta no canto esquerdo do Ricardo Cruz, sai pro abraço e sai do jogo. Típico Botafogo. Tipo Zico.
Zico bateu lá mesmo. Canto esquerdo. Meia altura. Ricardo Cruz foi e não achou. A bola saiu lambendo a trave. Zico saiu em seguida.
Outro desfecho. Outro Botafogo.
Não deu 2 minutos depois de Marquinhos substituir o Galinho.
Mazolinha (que substituíra ainda na primeira etapa o também lesionado Gustavo) cruzou da esquerda, Maurício empurrou Leonardo, e venceu Zé Carlos, aos 12 minutos.
1 x 0 Botafogo. O suficiente.
12 minutos. 21 ao contrário. No 21º cruzamento no clássico de 89. Que é 68 de cabeça para baixo.
Não sou eu quem conta e nem contra. É o Botafogo. Você sabe. Eles, muito mais.
O Flamengo se atirou à frente depois do gol de Maurício. Camisa 7 como Garrincha. Jogando por três. 7 x 3. 21
Ok. Forcei. Mas a força estava com a estrela solitária. Paulinho Criciúma (artilheiro da equipe com 10 gols) mandou uma bola no travessão, aos 33 minutos, depois de jogada sensacional de Maurício. Aquele que, antes do jogo, recebeu a bênção e a torcida de Nilton Santos: "hoje você vai incorporar o espírito de Garrincha".
Os mais de 56 mil pagantes viram então o Flamengo tentar mas sem conseguir. E o Botafogo então ser campeão depois de 21 anos.
Invicto.
Mas só ganhando um clássico no RJ-89. Justo o de exatos 30 anos atrás.
Não ganhava um clássico havia três anos. Desde abril de 1986 sem ganhar jogos grandes no Rio. Mesmo com baita campanha de 15 vitórias e 9 empates no RJ-89, faltava o título que desde 1968 não chegava.
E tinha que ser justo na noite em que Zico saiu lesionado para apenas encerrar a carreira logo depois, como anunciou ainda no vestiário derrotado.
Zico que, quando jogou, não viu ou não deixou o Botafogo ser campeão. Foi só sair de campo e da carreira que o jogo virou.
Quando já tinha faixa de campeão carioca na estátua de Bellini no Maracanã. Pouco antes do Manequinho enfim ser vertido com a camisa gloriosa, não mais dos rivais.
Ainda assim tinha quem não acreditava. Como o treinador Valdyr Espinosa. Em 1983 ele foi campeão da América e do mundo pelo Grêmio em que foi lateral e é torcedor. "Mas a minha maior emoção foi ser ser campeão enfim pelo Botafogo no Maracanã". Não era papo. Era fato. Desde o primeiro jogo com elenco desconfiado e limitado, a cada jogo que não perdeu, ele dizia que só acreditaria mesmo no título quando visse escrito no eletrônico do Maracanã:
"BOTAFOGO CAMPEÃO"!
Ele só conseguiu ver depois de engolido e afogado em abraços do elenco, comissão técnica, direção, torcida e credo que eram um só.
Tudo graças ao gol de um rubro-negro de berço na Pavuna. Maurício. Nasceu com pernas arqueadas 26 anos antes de O Gol. O médico disse pra mãe que ele seria boleiro. Tinha pernas tortas de Garrincha. Ele seria mesmo fã do Jairzinho de 1968. "Só que naquela noite ele incorporou o espírito de Mané Garrincha, como eu havia dito a ele antes do jogo". Palavras de Nilton Santos.
Espírito e profecia de parteiro e de Enciclopédia.
O "parabéns a você" que as outras torcidas gritavam pelos mais de 20 anos de jejum para os alvinegros eram então entoados pela minoria no Maracanã. Mas maioria nas ruas da cidade pela madrugada e no dia seguinte no centro carioca.
Alvinegros campeões gritando por Espinosa e pelo vice-presidente Emil Pinheiro. "Agora eu posso morrer tranquilamente", disse ele.
"Tu és glorioso. Não podes perder, perder para ninguém", cantou o volante Luisinho, desde os 13 anos no Botafogo, ainda no emocionado gramado do Maracaju. Ele foi um dos que não fizeram o time perder ou se perder.
Como Espinosa. No comando sereno. E em outra profecia bem Fogão: no intervalo, depois de partida discreta, um dos melhores jogadores da equipe pediu para sair do jogo porque não estava bem, a ponto de quase chorar por isso ainda no gramado. Espinosa rebateu: "fique tranquilo, reze pra nossa senhora, e volta pro jogo que o gol do título vai ser o seu".
Desde a véspera ele sentia dores musculares e febre de 39 graus. Pensou mesmo em não jogar. Chegou a falar ao elenco a respeito. Mas só no jantar. Só na mesa ele disse para o grupo e treinador que não estava bem. Ficou melhor na hora! Todos os jogadores falaram que correriam por ele.
Ele, Maurício.
E assim se fez. E assim já foram 30 anos. Muito mais que os 21. Com títulos estaduais. Rio-São Paulo. Conmebol. Brasileiro de 1995.
Mas em 52 anos nunca vi uma conquista tão botafoguense como a de 1989.
Até porque nem o botafoguense consegue ver algo tão Botafogo como tudo isso.
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