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Blog do Mauro Beting

Kanté e o que se recicla de 1998

Mauro Beting

15/07/2018 21h29

Não faltaram latas, garrafas, bandeiras e todo tipo de lixo largado pelas ruas de Paris na celebração do título da Copa de 1998 pela dona da casa. Sobrou o maior dinheiro conquistado por N'golo naqueles dias de festa para o mundo e trabalho para ele do baixo dos 7 anos. Do baixinho de 1m68 hoje que não conseguia times para jogar pela pouca altura. Dez disseram não a ele pela estatura. O que não é documento para quem não tem tamanho de tanta vontade de coletar bolas pelo campo como sobras. Antecipar lances para limpar a sua área e o campo do time dele.

N'Golo tem nome de rei do Mali onde vieram os pais para morar no subúrbio de Paris. Aos 11 ele perdeu o pai. Mas não o Norte. Ajudou a criar os irmãos menores com a mãe. Quando viu que vencer no futebol seria difícil com tantos nãos, ele foi estudar contabilidade. Até que a oportunidade de jogar pra valer ele foi catar como se fossem as sobras recicladas da infância.

Kanté demorou a explodir pelo Leicester que ninguém esperava campeão da Inglaterra, em 2016. Foi bicampeão pelo Chelsea em 2017. Agora é bicampeão do mundo 20 anos depois de catar lixo para ajudar a família a sobreviver. Como o jogador que mais correu em média na Copa. O que mais desarmou. O que fez o trabalho mais "sujo" no time. Como se fosse o mesmo menino que trazia o trocado para a casinha no subúrbio de Ruel Malmaison, no leste parisiense. O que não desistiu quando ninguém lhe dava bola.

Ele era o menor entre todos os jogadores. Mas, desde os 8 anos, o que sonhava maior que todos. Não tinha dinheiro para ir aos estádios. Não conseguia ver os grandes jogos que só passavam na televisão paga. O que ele conseguia apenas era jogar. E não deixar que ninguém jogasse fora o que poderia ser reutilizado.

No Chelsea é quem chega com o menor carro em tamanho e preço. Não precisa mais do que isso. Nós é que precisamos mais de campeões como Kanté. O de valor que não se paga e não tem tamanho.

A prova mais do que viva de que o caminho francês em 1998 se recicla. A França "negra, branca e árabe" segue muito viva 20 anos depois. Revolução de integração que pode e deve reciclar muita coisa na Europa.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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