O torcedor único do Leicester
Mauro Beting
20/04/2016 12h52
Março de 2015. Inglaterra. Leicester só sabia perder. Foram três jogos naquele mês. Duas derrotas. Lanterna. Favorito absoluto ao rebaixamento. Time desenganado. Em pouco mais de quatro semanas a previsão era de que voltaria para a segunda divisão inglesa.
Março de 2015. Austrália. Tony Skeffington foi examinado pela enésima vez do câncer devastador. Diagnóstico. Ele teria no máximo mais quatro semanas de vida.
Ele superou o mês de morte. Como o time dele se superou e venceria sete dos últimos 10 jogos na temporada passada e sobreviveu na Premier League. Milagre. Duplo. Em Adelaide, animado pela recuperação do clube tão desenganado quanto ele, inspirado pela mulher, o outro amor da vida debilitada dele, Tony celebrou os milagres de maio. Esperando agosto começar e ele contar dias que já pareciam décadas. Imaginando o fim próximo do time do coração dele. Com Ranieri e praticamente o mesmo elenco, não haveria como. Para o time e para Tony.
Mas ele foi superando as primeiras jornadas, embalado pelas vitórias do Leicester no começo da temporada 2015-16. O outono não foi tão rigoroso. De repente até vai dar para curtir mais um Boxing Day. Com um presente ainda mais inesperado para ele e para outros torcedores do clube. Em vez de rebaixamento, a lembrancinha natalina foi a liderança da Liga.
A história de Tony chegou ao elenco. Jogadores e Ranieri mandaram lembranças para a Austrália. Tony quis mais jogo e mais vida. Queria ir ver um jogo dos Foxes. Mas não havia como.
Mas houve como ele superar o inverno e o inferno. Primavera e floresceu ainda mais o agora grande favorito Leicester.
Faltam só quatro semanas para o título em 2016. Eram só quatro semanas de vida há 13 meses para quem ama a mulher e o Leicester. A ordem dos fatores não altera o milagre.
Vai ter jogo do Leicester. O milagre segue vivo. Tony segue o jogo agora lá de cima. Celebrou o gol de Vardy no empate com o West Ham no domingo. Comentou com os filhos um pouco mais da partida dura com o fiapo de voz que restava. Partiu aos 51 anos antes do fim da partida.
90 minutos de barulho por ele.
Um minuto de silencio para os que matam o futebol com torcida única.
Única torcida é pra ver a mulher de Tony feliz em quatro rodadas como se ele estivesse aqui. Como ele esteve até o último jogo.
Sobre o Autor
Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério
Sobre o Blog
O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.