Só não tem time quem teme
Mauro Beting
27/04/2016 19h10
Libertadores-13: dois brilhantes jornalistas esportivos mineiros foram ver o Atlético deles dar um show contra o Arsenal, na Argentina.
Sou colega, amigo e fã de ambos. Sou muito mais fã das pessoas que eles são. Do caráter que eles têm. Da competência que esbanjam. Do conhecimento que transbordam.
Imagens de ambos torcendo uniformizados levaram ao natural patrulhamento talibã das redes pouco sociais. Questionaram tudo o que é pouco questionável de ambos.
Mas poucos questionam o básico. Que todo bípede tem o direito de torcer por um time. Todo jornalista esportivo tem o dever de não distorcer por ele. Algo que ambos sabem fazer com imensa categoria numa classe que, muitas vezes, mais parece uma raça. Também por ser por vezes tratada como bicho.
Só realmente entende de futebol quem conhece e torce por seu time. Só pode falar da paixão que é o esporte quem exerce pela vida a paixão incondicional de torcer.
Ambos sabem disso tudo. E não temem abrir o coração como têm a mente aberta. Assumem o que poucos querem, podem, ou temem. Abrem o jogo e a guarda com a transparência essencial para o saudável exercício do oficio. Amam suas cores. Mas sabem que o jornalismo é plural como o futebol. É preciso conhecer o outro lado. Ouvi-lo. Entendê-lo para poder entender mais.
Muitos queriam que eles não fossem ao jogo. Muitos entendiam que eles deveriam se esconder. Ou usar uma burca burra para escamotear o que quem tem peito jamais esconde.
De peito aberto eles foram Atlético. Por que assim nasceram. Assim morrerão. Um dia deixarão de ser jornalistas. Mas jamais deixarão o Galo.
Amor não se esconde, torcedor talibã patrulheiro. Jornalista que não tem clube do coração não tem time e nem coração.
Aos justiceiros da alma alheia: respeitem o jornalista que, por vezes, não pode assumir o time que o levou ao jornalismo. Algo compreensível, sobretudo se repórter de campo de televisão, se narrador (quando se contam as letras Os que falam nos gols…), e em outros casos que a consciência de cada um que responda).
Mas suspeitem do jornalista que inventa time para torcer.
E deixem de seguir o jornalista que troca de time ou desiste do único amor incondicional que conhecemos na vida.
Que mais jornalistas se juntem aos mineiros que são ouro. Que os picaretas de coração de pedra das tribunas sigam se escondendo sob o hipócrita manto da imparcialidade fajuta.
Que mais gente faça como os colegas gaúchos Fabiano Baldasso e Rafael Serra que abriram seus corações e saíram do armário com as camisetas de criança.
Eles não são melhores ou piores por isso. Mas acabam sendo mais transparentes. Conseguem, desse modo, ser mais independentes, isentos, imparciais e objetivos. Podem e devem ser melhor cobrados por tanto.
Nobres colegas, vão por mim, filho de um cara que tinha uma frase no vestiário do clube do coração da família, e que, em 26 anos de jornalismo esportivo, já fez mais trabalhos para o clube, com o clube, pelo clube, ou gerando recursos para o clube (e para mim, por tabela) que qualquer outro jornalista esportivo: assumam!
Sou jornalista há 26 anos por ser torcedor há 49. E compreendo ainda mais o futebol por me manter leal ao meu lado torcedor. É só não torcer no ar, o que não é difícil. É só não distorcer pela nossa paixão, o que não é difícil. É só jornalistar enquanto jornalista, e é só seguir torcendo, enquanto ser humano.
O jornalista não pode ter a pretensão de primeiro ser jornalista e depois gente. E, no futebol, ele será mais gente se for mais torcedor.
Bem-vindos, Baldasso e Serra.
Vamos juntos, outros companheiros.
Sobre o Autor
Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério
Sobre o Blog
O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.