Taça Brasil é Brasileirão? Robertão é Brasileirão? Entenda. Ou não.
Mauro Beting
31/05/2016 15h37
É crime lesa-bola menosprezar, desprezar, desconhecer ou ignorar a história e a importância e o valor dos dois torneios disputados na Era de Ouro do futebol brasileiro, entre os anos do tri mundial (1958 e 1970).
Quando começou a Taça Brasil, em 1959, os 11 titulares da Seleção jogavam no país. No bi, em 1962, a mesma história. Em 1970, no último ano do Robertão antes de começar o Brasileirão (1971), os 11 de Zagallo atuavam no Brasil.
As melhores seleções da nossa história eram formadas por atletas que disputaram Taça Brasil (1959 a 1968) e Robertão (1967 a 1970). Por tabela, os campeonatos nacionais nas décadas de 1950 e 1960 foram os mais técnicos torneios de nossa história. Se não tinham possivelmente os melhores times do mundo na época, os maiores jogadores do planeta disputaram Taça Brasil e Robertão. É fato, não fax, e nem fácil.
VEJA SEMIFINAL DA TAÇA BRASIL 1965 – Santos X Palmeiras
No frigir das bolas: Taça Brasil é a mãe da Copa do Brasil; Robertão é pai do Brasileirão.
Desde 2010, e não apenas por questões históricas, também por barganhas políticas e comerciais, a CBF decidiu equiparar Taça Brasil e Robertão com o Brasileirão – que desde 1971 é disputado.
Todos os campeões nacionais desde 1959 são campeões brasileiros para a CBF.
Como a CBF é cartório, cumpra-se. Desde 2010. E não antes.
Mas são mesmo tudo isso, desde 1959?
A Taça Brasil era a única competição nacional de clubes até 1966.
Torneio de caráter eliminatório, só foi disputada duas vezes em sistemas de grupos, por pontos corridos nas primeiras fases. Isso aconteceu nas duas últimas edições, em 1967 e 1968 – quando já existia o Robertão.
O primeiro Robertão (1967) só difere do primeiro Brasileirão (1971) por ter menos clubes – como a Copa União de 1987 também teve menos equipes que o primeiro Brasileiro.
O Robertão já era o Brasileirão. Só não tinha o nome.
A POLÊMICA
Há razões esportivas e históricas para equiparar os dois campeonatos das décadas de 1950 e 1960 com o Brasileirão (a partir de 1971), concedendo o mesmo peso e valor aos títulos?
Veremos. Ou não.
TAÇAS E CAMPEONATOS PELO MUNDO
Preston North End foi o primeiro campeão da Inglaterra, em 1888-1889, em competição com 12 clubes. O primeiro campeonato em que vitória valia dois pontos, e empate, um. Mas o primeiro vencedor de uma taça nacional no país que inventou o futebol foi o Wanderers de Londres, em 1871-72. Clube amador que conquistou a FA Cup, a Copa da Inglaterra – desde sempre o primeiro torneio de caráter nacional da história do esporte criado em 1863. A primeira edição também foi disputada por 12 clubes, em sistema eliminatório (mata-mata). Na Inglaterra, a Copa mata-mata (1871-72) precedeu o campeonato (1888-89).
O primeiro campeão da Espanha foi o Barcelona, em 1929. O torneio envolveu dez clubes de quase todo o país. O primeiro vencedor de um título nacional foi o Club Vizacaya de Bilbao (um combinado de atletas do Athletic Bilbao e Bilbao FC). Em 1902 ele foi o campeão de um eliminatório de cinco clubes: a Copa do Rei Alfonso XIII – A Copa da Espanha de hoje. Assim como na Inglaterra, a Copa (1902) foi anterior ao campeonato (1929).
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O primeiro campeão da Itália foi o Genoa, em 1898. Título decidido em jogo único, depois de outro jogo único pela semifinal entre equipes vencedoras das ligas regionais. Desde então, e até 1929, quando o Bologna foi o campeão italiano, o campeonato se dividiu em grupos regionalizados, com playoffs decisivos para definir o campeão nacional. Apenas a partir de 1929-1930 ocorreu um torneio por pontos corridos, sem final. Deu Internazionale. A Copa da Itália havia começado em 1922, concorrendo paralelamente ao campeonato italiano. Diferentemente de Inglaterra e Espanha, a primeira competição nacional na Itália foi o campeonato (1898). A Copa surgiria apenas em 1922.
A Alemanha teve o primeiro título nacional disputado em 1903. O Leipzig foi o campeão alemão de um torneio com mata-mata, depois de fases eliminatórias disputadas em ligas regionais (semelhante ao modelo italiano). A Copa nacional também foi criada depois. O Nurnberg foi o primeiro campeão, em 1935. Campeonato por pontos corridos só foi começar tardiamente, em 1963-64. O Colônia foi o primeiro vencedor da Bundesliga. Assim como a Itália, na Alemanha o campeonato nacional (1903) é anterior à Copa (1935).
E o Brasil?
Para variar, e pela força dos campeonatos estaduais, a história foi diferente.
ANTES DA TAÇA BRASIL
Até 1959, não havia um campeonato verdadeiramente nacional de clubes. Havia apenas o torneio de seleções estaduais, então deficitário economicamente. A rivalidade local se bastava em nível clubístico, consumida pelos campeonatos estaduais. No máximo ela era ampliada em nível regional no Rio-São Paulo, disputado regularmente a partir de 1950, depois da primeira experiência em 1933.
O livro DOSSIÊ UNIFICAÇÃO DOS TÍTULOS BRASILEIROS A PARTIR DE 1959, dos caríssimos José Carlos Peres e Odir Cunha, explica que a ideia original da Taça Brasil é de Benedito Adami de Carvalho, da Federação Mineira, em 1955. Antes mesmo da Fifa, Uefa e Conmebol amadurecerem o projeto de um torneio mundial de clubes (projeto que já existia desde os anos 1930).
Em 1959, a Conmebol decidiu criar a Libertadores da América. Em 1960 ela começaria. O campeão do torneio enfrentaria o campeão europeu, que desde 1956 era definido pela Copa dos Campeões da Europa. Cada país da América do Sul tinha direito a uma vaga. Era preciso definir o representante do Brasil. João Havelange (presidente da CBD a partir de janeiro de 1958) insistiu na tese de um campeonato o mais nacional possível. Cartolas de Rio e São Paulo dominavam o futebol dentro e sobretudo fora de campo. Para o novo torneio, cariocas e paulistas queriam apenas um playoff entre os campeões estaduais de Rio e São Paulo de 1959.
Havelange conseguiu bater o pé e fez justiça esportiva (e também política). Criou a Taça Brasil em 1959. O mais possível campeonato nacional para a época de transporte difícil e distâncias mais longas ainda, por tabela. Foram convocados 16 dos 20 estados brasileiros então existentes. Os campeões de Rio e São Paulo conseguiram mostrar a força que tinham entrando apenas na fase semifinal do primeiro torneio.
Alguns grandes clubes, porém, jamais participaram da competição, reservada apenas aos campeões estaduais. Gigantes como São Paulo e Corinthians, que viviam longo jejum de títulos na época, nunca disputaram a Taça Brasil, entre 1959 e 1968.
Dos 10 torneios disputados participaram 80 clubes. Foi competição muito semelhante àquilo que seria a Copa do Brasil (a partir de 1989). Com a diferença de ser então, por motivos de logística e lógica, uma disputa regionalizada: apenas nas fases finais as equipes do Norte-Nordeste enfrentavam rivais do Sul-Sudeste e Centro-Oeste. Regulamento mais prático e, também, mais político, dando às equipes com menor poder financeiro e técnico mais chances de chegar ao título.
O clube que mais participou da Taça Brasil foi o Grêmio (9 dos 10 torneios – o Inter só jogou em 1962). O maior aproveitamento de pontos foi do Santos (72%). A turma de Pelé foi quem mais venceu partidas (64%), teve a melhor média de gols (2,9), o maior saldo de gols (53).
A CRÍTICA
"Mas como pode ser campeão brasileiro quem joga só quatro partidas de um torneio"?
Tem lógica. É algo natural para uma competição eliminatória – e sempre lembrando que, para participar da Taça Brasil, era necessário ter conquistado antes o campeonato estadual. Diferentemente da Copa do Brasil a partir de 1999 e até esta década, não havia clubes convidados na Taça Brasil.
Jogar pouco não tira o mérito de nenhum campeão. O vencedor do Mundial de Clubes, de 1980 a 2004, só fazia uma partida – e que partida! Para chegar até lá, porém, tinha de se classificar na competição nacional, e ainda conquistar o torneio continental. Não é pouco.
Jogar muito também só aumenta a façanha: o Bahia-59, por exemplo. O primeiro campeão da Taça Brasil (e, desde 2010, pelo reconhecimento da CBF, o primeiro campeão brasileiro), disputou 14 jogos, playoffs incluídos, e venceu o enorme Santos de Pelé. Mérito total para a equipe de Nadinho, Alencar e Biriba, que foi melhor mesmo que o Santos na melhor de três, com a conquista consagrada em março de 1960. Mais um título perdido pelo clube santista por adiar a partida decisiva. O clube não queria perder dinheiro das excursões já marcadas para fora do país no começo de 1960, algumas delas por imaginar que o título já estaria definido em apenas dois jogos, não sendo necessário o terceiro contra os baianos…
O Palmeiras campeão da segunda Taça Brasil em 1960 jogou só quatro vezes (contra Fluminense e Fortaleza), e foi para a Libertadores-61. Não há como tirar o mérito de um vencedor que, no jogo decisivo, goleou o campeão cearense por 8 x 2 – ainda a maior goleada em uma decisão brasileira. A Taça Brasil de 1960 já tinha 17 estados participantes. E ganhava mais fôlego e importância.
Em 1961, pela primeira vez o campeão do ano anterior também teve assegurado o direito a um lugar na competição, entrando nas fases preliminares. O Palmeiras foi o beneficiado. Mas o Santos (campeão estadual de 1960) levou a primeira das cinco taças alvinegras, na forra final contra o Bahia.
Em 1962, o campeão do Rio volta a entrar na fase semifinal da Taça. Merecidamente. Foram 18 os estados participantes. Na grande decisão entre Santos x Botafogo, 11 jogadores dos dois clubes tinham sido campeões mundiais pelo Brasil, no Chile. Oito deles como titulares em algum momento da Copa. Outros três fariam parte da Seleção na Copa-66. No terceiro jogo do espetacular playoff, 5 x 0 Santos. No Maracanã!
VEJA OS GOLS DE 1962: BOTAFOGO 0 X 5 SANTOS
Na Taça Brasil-63 já participavam 20 estados. O Santos foi tri, de novo na final contra o Bahia. Novamente entrando nas fases decisivas. Sem problemas, ou apenas com méritos. Como a Conmebol fazia na Libertadores até 1999. O campeão do ano anterior entrava direto no mata-mata, pulando a fase de grupos.
VEJA o jogo decisivo da Taça Brasil de 1963: DECISÃO DA TAÇA BRASIL DE 1963
Em 1964, ano do tetra santista contra o Flamengo, eram 22 clubes de 21 estados. E de novo o Santos não tinha rival.
Em 1965, quando o Santos foi penta nacional contra o Vasco, foi aberta uma vaga para o vice-campeão paulista Palmeiras. O time de Pelé tinha direito a disputar a Taça tanto como campeão estadual de 1964 como o então detentor do título brasileiro de 1964. A CBD resolveu dar mais uma vaga para os paulistas. O também campeão do Rio-São Paulo daquele ano (Palmeiras) participou.
Em 1966, novamente 21 estados representados por 22 clubes. Palmeiras de novo entrou como vice paulista. Santos era campeão de tudo e favorito ao hexa. Mas havia Tostão e Dirceu Lopes pelo caminho. O Cruzeiro fez apenas seis jogos e foi campeão da Taça Brasil – vencendo duas vezes, e uma por 6 x 2, o pentacampeão Santos.
Como tirar o mérito desses vencedores? Como não reconhecer o nível excepcional dessas equipes? Discutir se é campeão brasileiro é outra história. Mas vive de passado quem tem história. E esse time é o melhor cruzeirense.
VEJA REPORTAGEM DA DECISÃO DE 1966 NA TV CULTURA DECISÃO DA TAÇA BRASIL DE 1966
O Santos multicampeão só uma vez entrou nas quartas-de-final da Taça Brasil. Todas as demais, como representante paulista e/ou campeão do ano anterior, só jogou a partir das semifinais – o que não mudaria nada: se entrasse antes, possivelmente venceria todos os rivais, do jeito que Pelé e companhia ilimitada quisessem. Dos cinco canecos alvinegros, três foram invictos. O Santos chegou a ficar 16 jogos sem derrota no torneio. Quando não foi (penta)campeão, foi duas vezes vice, em 1959 e 1966. Só não jogou todos os torneios porque o Palmeiras ganhou dois estaduais, e, em 1968, nenhum paulista disputou a esvaziada Taça Brasil. O Santos preferiu ganhar dinheiro excursionando pelo mundo.
Em 1967, a Taça Brasil começou a perder a força, com a criação do Robertão (torneio que, na prática, era a ampliação do Rio-São Paulo). Mas os representantes brasileiros na Libertadores de 1968 continuavam sendo os indicados pelo torneio organizado pela CBD, a Taça Brasil (diferentemente do primeiro Robertão, administrado pelas federações de São Paulo e Rio). Foram para a disputa continental o campeão e vice da Taça Brasil de 1967: Palmeiras e Náutico. A CBD ainda dava força ao torneio que ela organizava. O campeonato teve 21 clubes, com a desistência do representante de Amazonas.
Em 1968, último ano da Taça Brasil, excesso de jogos e desinteresse econômico e político por um torneio confuso por tudo terminou por encerrar a brilhante história da competição. O campeonato durou 14 meses! Começou em agosto de 1968 e só terminou em outubro de 1969!
O atraso também serviu para não apontar os clubes brasileiros para a disputa da Libertadores de 1969. O ápice da bagunça e também do imponderável na Taça Brasil de 1968 aconteceu no confronto entre Metropol de Criciúma x Botafogo. Foram quatro jogos em cinco meses! Depois das partidas de ida e volta, confusão para marcar o local da terceira partida decisiva. Quando marcado o confronto, o Metropol se negou a atuar por falta de aletas e deu W.O. Desistência que depois foi revogada. Novo jogo marcado para Marechal Hermes, no Rio, quatro meses depois. Chuva encerrou a partida aos 13 do segundo tempo. Nova data marcada. Metropol de novo não quis jogo. Novo W.O… Fogão classificado e, depois, campeão com um timaço na última e esvaziada Taça Brasil, na decisão contra o Fortaleza.
DOIS CAMPEÕES EM UM MESMO ANO. PODE, HAVELANGE? PODE, RICARDO TEIXEIRA?
O Robertão chegara para ficar a partir de 1967.
Mas como é que pode ter dois campeões nacionais em 1967 e 1968?
Pelo critério da CBF na unificação em 2010, pode podendo.
Mas não é absurdo – e muito menos inédito. O Flamengo ganhou dois estaduais em 1979. Deu tempo para jogar dois torneios, deu Flamengo nos dois. Na Argentina, com a instituição dos torneios Clausura e Apertura, de 1991 a 2012 foram dois campeões nacionais por ano. Chile também foi assim de 2002 a 2017. Em 2000 são campeões mundiais tanto o Corinthians, em janeiro, no primeiro interclubes organizado pela Fifa, quanto o Boca, vencedor da Copa Toyota, em dezembro daquele ano. A unificação dos torneios mundiais de clubes só ocorreria em 2005, com a conquista do São Paulo, também no Japão. Desde então não se discute mais. São todos campeões mundiais.
Indiscutível, também, é e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
TORNEIO ROBERTO GOMES PEDROSA (1967-1970)
O DNA do Brasileirão de 1971 em diante vem do Robertão desde 1967.
Torneio batizado em homenagem a Roberto Gomes Pedrosa (goleiro e dirigente esportivo precocemente falecido em acidente de automóvel), sempre foi disputado em grupos, em jogos de ida e volta, e com caráter de campeonato, não de copa.
No primeiro ano, foram os 15 principais clubes dos cinco estados mais poderosos da CBD.
De 1968 a 1970, já organizado pela CBD, e com o nome de Taça de Prata, foram 17 equipes de sete estados.
Ao todo, 22 clubes participaram da história de quatro anos do torneio, de 1967 a 1970.
O Palmeiras foi o maior campeão (duas vezes, em 1967 e 1969), o clube que mais pontos conquistou (104), o que mais venceu (41 jogos), o melhor aproveitamento de pontos (67%), o melhor ataque (118 gols), o melhor saldo de gols (45), e teve a terceira melhor média de gols sofridos (o Grêmio foi mais eficiente defensivamente, com 0,9 por jogo).
O primeiro Robertão foi a extensão do Rio-São Paulo que vinha sendo disputado regularmente desde 1950, e que também vinha sendo esvaziado. Por falta de datas, potencializada pela preparação para a Copa de 1966, o torneio regional teve quatro campeões: todos os semifinalistas ganharam a edição de 1966!
Era preciso mudar. Melhorar. Racionalizar. E chamar mais times para a disputa. Foram o que fizeram os organizadores do torneio, as federações do Rio e São Paulo.
Sim: o Robertão de 1967 foi organizado por elas, não pela CBD. O que não tira mérito e nem importância. A Fifa só assumiu regularmente o Mundial de Clubes a partir de 2005, além da primeira edição, em 2000. Não considerar os campeões intercontinentais dede 1960 por falta da chancela da entidade é absurdo.
Em 1967, 15 clubes de cinco estados disputaram o primeiro Robertão vencido pelo Palmeiras.
Em 1968, o Santos foi o primeiro entre 17 clubes de sete estados, divididos em dois grupos, e também com o título decidido em um quadrangular final.
VEJA A GRANDE VITÓRIA DO SANTOS QUE ENCAMINHOU A CONQUISTA DO ROBERTÃO DE 1968
Santos 3 x 0 Palmeiras – Robertão 1968
Em 1969, o Palmeiras voltaria a ser o melhor de um campeonato com o mesmo número de clubes e estados participantes.
Em 1970, com os mesmos números e regulamento de 1969 e 1968, o campeão foi o Fluminense.
Em 1971, já com a nova denominação de Campeonato Brasileiro, com três clubes a mais (20), o Atlético Mineiro ganhou o assim chamado primeiro Brasileirão.
AS PERGUNTAS QUE TODOS QUEREM BERRAR
1. Taça Brasil e Robertão são a mesma coisa?
NÃO! Um é torneio eliminatório (até 1966), o outro é campeonato com grupos até a fase decisiva (desde 1967 até 1970).
2. Taça Brasil e Brasileirão são o mesmo que o Brasileirão?
No frigir das bolas, TAMBÉM NÃO.
MAS…
Se desde 2010 a CBF diz que SIM, como cartório que também é, então passa a ser oficial: são octocampeões brasileiros Santos e Palmeiras (em 2016, o Verdão passa a ser ênea). São tetracampeões o Fluminense (com a conquista de 2012) e Cruzeiro (com o bi de 2013-14). São bicampeões Bahia e Botafogo.
Ponto final.
Porém, insistindo na minha tese…
Taça Brasil (1959-1968) é a mãe da Copa do Brasil – um torneio eliminatório, com representantes de quase todo o país;
O Robertão (1967-70) é o pai do Brasileirão – um campeonato de fato, quase sempre com regulamentos discutíveis, clubes igualmente convidados, mas, de um modo geral, com os melhores do país, na época de ouro do futebol brasileiro.
Por mim, o campeão do Robertão é tão campeão brasileiro quanto qualquer outro a partir de 1971 – e não há o que discutir. O campeão da Taça Brasil é tão campeão como qualquer campeão da Copa do Brasil a partir de 1989 – e há muito para discutir.
Como eternamente serão discutidos os asteriscos na Copa União de 1987 e na João Havelange de 2000 – embora, para mim, o Vasco seja o campeão brasileiro de 2000, e o Flamengo (de fato) e o Sport (de direito) sejam os campeões de 1987.
LEIA MAIS Quase todo o rolo da Copa União de 1987
MINHA CONCLUSÃO
Usando a linguagem do decreto da CBF em 2010:
CONSIDERANDO que não houvesse outro torneio de caráter nacional até 1967;
CONSIDERANDO que a Taça Brasil concedesse vaga para a Libertadores da América (disputada a partir de 1960), ainda não considero Taça Brasil e Robertão o mesmo tipo de torneio.
O que não desmerece sob aspecto algum os campeões a partir de 1959. Nem tira o significado histórico e esportivo de cada conquista.
(Pode me chamar de filho daquilo. Só não xingue meu pai, que só não apresentou o evento dos clubes pleiteantes à unificação, no Palestra Italia, em março de 2009, por compromissos profissionais previamente assumidos: diferentemente do filho que vos escreve, Joelmir Beting entendia que todos os campeões da Taça Brasil e Robertão também são "campeões brasileiros", como pretendiam em 2009 Santos, Palmeiras, Cruzeiro, Fluminense, Botafogo e Bahia, e acabaram sendo reconhecidos em 2010).
Todos legítimos senhores daqueles campos e tempos. Campeões nacionais de fato e de direito.
Agora ainda mais de direito, pela chancela tardia da CBF, apenas em 2010.
A DÚVIDA
Por que só em 2010 foram reconhecidos os títulos da Taça Brasil e do Robertão? Por que nã0 antes? Ou mesmo a partir de 1971?
Simples. Os campeões de 1959 a 1970 já se consideravam campeões brasileiros.
Complexo. CBD e órgãos de imprensa têm suas manias e modos. A Editora Abril, sócia e parceira da Copa União de 1987, sempre desdenhou naquele campeonato os pleitos do Sport. A PLACAR sempre teve linha editorial muito própria, como o LANCE! tem no manual de redação (e história) alguns pontos inegociáveis, ainda que muito discutíveis. A PLACAR chamou o Fluminense de "campeão do Brasil! na capa, em 1970. Mas só levava mesmo em conta a história do Brasileirão de 1971 em diante… Levou tempo para cogitar considerar em suas contas e páginas os torneios pré-1971.
Também por isso clubes e mídia não atentaram muito quanto a essa questão de denominação, em 1971. Embora antes, e também depois, façam o que bem entendam – ou acham que podem. A GAZETA ESPORTIVA manchetou em 1995 que o Corinthians era "campeão do Brasil" por ter conquistado a Copa do Brasil, contra o Grêmio. Mesmo jornal que em 1951 deu na capa que o Palmeiras era "campeão do mundo" pela conquista da Copa Rio – reconhecida como tal pela Fifa apenas em 2014.
Capa de jornal, como se sabe, tanto quanto despacho das entidades, pode e deve ser sempre discutida.
Como a TV Globo mal noticiava o Mundial de Clubes de 2000. Só por não ter os direitos de transmissão do torneio.
A QUESTÃO
Se Santos (campeão da Taça Brasil de 1961 a 1965), Palmeiras (campeão em 1960 e 1967), Bahia (1959) e Botafogo (1968) são campeões "brasileiros" daquelas temporadas pelas conquistas da Taça Brasil, qualquer vencedor da Copa do Brasil (a partir de 1989) também é campeão "brasileiro"?
Não.
Com todo o respeito ao torneio que existe desde 1989. E com ainda mais respeito ao que existiu de 1959 a 1968.
Não considerar a Taça Brasil do mesmo nível e importância que o Robertão não é desmerecê-la, muito menos seus campeões; Bahia, Santos, Palmeiras, Cruzeiro e Botafogo tinham equipes para ganhar tudo que disputassem, em qualquer torneio e fórmula. Foi o maior Bahia de todos os tempos o de 1959, o maior Santos da riquíssima antologia (para não dizer o maior time da história na primeira metade dos anos 60), foi o melhor Cruzeiro desde a fundação o de 1966, um dos melhores Botafogo o de 1968, e Palmeiras de todos os tempos e campos foram campeoníssimos em 1960 e 1967.
Como o Flamengo da metade dos anos 50, o Expresso da Vitória vascaíno dos anos 40-50, o Rolo Compressor colorado, a Máquina do São Paulo dos anos 40, o Corinthians do início dos anos 50. Enormes times que não foram "campeões nacionais" por falta de um torneio.
O que não tira o mérito de nenhum deles. Até porque a bola os reconhece como gigantescos campeões de todos os tempos e campos. Eles não precisam de chancela de uma entidade que não dá pelota para a própria história. Ou a reescreve a partir de conveniências, não convivências.
Mas, como desde 2010 é oficial a unificação dos títulos nacionais, cumpra-se:
Parabéns ao primeiro campeão brasileiro, o Bahia de 1959.
Parabéns ao primeiro bi. E primeiro tri. E primeiro e único tetra – seguido. E primeiro e único penta – seguido: Santos.
Parabéns ao primeiro campeão absoluto de uma temporada nacional: o Palmeiras de 1967.
Parabéns aos dois campeões de 1968: Santos e Botafogo.
Parabéns ao primeiro hexa: o Santos, campeão do Robertão de 1968, depois de ser penta da Taça Brasil.
Parabéns ao primeiro hepta: o Palmeiras de 1993, somando as duas Taças Brasil (1960 e 1967), os dois títulos do Robertão (1967 e 1969), e, então, o primeiro bicampeonato a partir de 1971, o de 1972-73.
Parabéns ao primeiro octa: o Palmeiras de 1994.
Parabéns ao segundo octo: o Santos de 2004.
Parabéns ao primeiro enea: o Palmeiras de 2016, e primeiro deca, em 2018.
E parabéns aos hexas São Paulo e Flamengo (campeão de fato em 1987, e juntamente, por direito, com o Sport).
E a todos os demais campeões brasileiros, a partir de 1971.
BRASILEIRÃO DESDE 1971
A propósito: quando se fala que a partir de 1971 que os torneios foram mais representativos e duros que os anteriores, todas as ressalvas: o de 1971 tinha três clubes a mais que o de 1970, e mais estados. Mas o mesmo nível de dificuldade. Todos os 12 grandes se enfrentaram. Em 1972, também. Mas, a partir do BR-73, nem todos os grandes clubes jogaram entre si.
O campeão nacional de 1973 (Palmeiras) jogou contra 9 dos 11 maiores rivais. Por conta dos regulamentos que mudavam a cada ano, muitas vezes como também mudava o número de participantes (quase sempre à base do "Onde a ARENA – partido do governo militar – vai mal, uma equipe no Nacional), nem sempre os 12 grandes jogavam entre si. Em 1974 (Vasco campeão) e 1975 (Inter), os vencedores enfrentaram 9 dos 11 grandes. O timaço do Inter foi bi em 1976 encarando apenas 6 dos grandes. O São Paulo ganhou em 1977 enfrentando apenas cinco dos 12 grandes. Guarani (6, em 1978), Inter (5, em 1979), Flamengo (5, em 1980), ainda menos. Grêmio (3 em 1981), Flamengo (bicampeão em 1982-83 contra apenas 4 grandes) e Fluminense (4 em 1984) mostram o absurdo das fórmulas de então. Em 1985 o Coritiba foi campeão atuando contra 7 dos bambas. O São Paulo ganhou em 1986 contra 6 gigantes.
A Copa União racionalizou as coisas, em 1987 e 1988. Todos se enfrentaram. Assim seria até 1992. Em 1993, uma mini virada de mesa bagunçou tudo de novo. O Palmeiras foi campeão jogando apenas contra 6 grandes. Seria bi em 1994 enfrentando 9 grandes. E, desde então, e, claro, a partir dos pontos corridos, em 2003, todos se enfrentam ao menos uma vez.
Melhor assim.
(E há também como discutir que, em todas as Taças Brasil, por motivos óbvios, no máximo cinco e no mínimo quatro dos grandes a disputaram. Em 1961, nenhum dos quatro grandes do Rio, pela conquista do América. Mas, daí, é mérito do time americano, e demérito dos demais, como São Paulo e Corinthians, que não conseguiram títulos no período e, por tabela, nunca disputaram o torneio).
Taça Brasil que não tinha clubes convidados, como aconteceu com a Copa do Brasil a partir de 1999.
Como se vê, tudo pode ser discutido. Contra fatos existem argumentos no futebol.
Desde que não se diga que Bahia, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Botafogo e Fluminense ganharam títulos por fax ou apenas por jogadas políticas. Todos foram campeões nacionais. Todos são reconhecidos como tais. E todos conquistaram seus títulos sem asterisco. Sem tapetão. Sem grandes polêmicas de arbitragem.
Mais que tudo: TODOS FORAM CAMPEÕES DURANTE A ERA DE OURO DO FUTEBOL BRASILEIRO. QUANDO OS PRINCIPAIS E MAIS VENCEDORES JOGADORES DO MUNDO ATUAVAM NO BRASIL.
Você pode não respeitar e deve mesmo discutir a decisão da CBF, em 2010.
Mas todos os campeões de 1959 a 1970 são indiscutíveis.
PS: E se você fosse presidente a CBF, o que teria decidido em 2010?
1. Eu não faria a unificação dos títulos.
Mas se você fosse "obrigado"?
2. Eu consideraria apenas o Robertão como Brasileiro.
E você sendo jornalista depois da unificação?
3. Eu aceitaria a unificação como oficial porque só a CBF é quem decide. Mas discutiria a decisão.
Sobre o Autor
Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério
Sobre o Blog
O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.