Palmeiras 1996 - Pouco tempo, mas eterno
Mauro Beting
02/06/2016 13h55
16 de novembro de 1995. O Palmeiras ainda tinha alguma chance de ser tricampeão brasileiro. Wanderley Luxemburgo voltara ao clube em 3 de novembro, vindo do Paraná Clube. Sabia as dificuldades. Também por isso já pensava em 1996. A Parmalat ofereceu a ele o centroavante Luizão e o meia-atacante Djalminha, do Guarani. Negócio fechado. Mas não para janeiro. Para novembro mesmo! Eles chegaram antes. Treinaram com o elenco imediatamente, desfalcando o time bugrino no BR-95, e exatos seis dias antes da derrota para o Santos de Giovani, no Pacaembu, que encaminhou a eliminação palmeirense.
Começava ali a ser plantada a semente de um dos maiores times não só da história do clube. De todo Brasil.
19/01/1996. Amistoso no Palestra. Palmeiras 2 x 1 Grêmio. No jantar depois da partida contra o Tricolor de Felipão (que um mês antes havia perdido o Mundial apenas nos pênaltis para o grande Ajax de Van Gaal), Luxemburgo agradeceu meu elogio pela vitória e pela atuação que poderia ter sido goleada:
– Pode escrever. Esse time vai fazer história. Vai jogar bonito, vai jogar veloz, vai ser ofensivo, e pode ser campeão de tudo que disputar.
Era um exagero. E foi mesmo. Um exagero de futebol.
23/01/1996. Estreia no Torneio Euro-América, no Ceará: 6 a 1 no Borussia Dortmund, que quase dois anos depois seria campeão mundial. Empate por 1 a 1 com o Flamengo, dois dias depois, no final do jogo, daria a segunda taça da competição ao clube.
28/01/1996. Estreia no SP-96. 6 a 1 na Ferroviária. Dois gols do centroavante Luizão, dois do meia pela direita Djalminha, um do atacante pela esquerda Muller. O meia pela esquerda Rivaldo não jogou no 4-2-2-2 básico de Luxemburgo.
01/02/1996. Ainda sem Rivaldo, com Elivelton pela meia-esquerda, 7 a 1 contra o Novorizontino. Treze gols em dois jogos. Três de Luizão, que ficava um tanto mais enfiado, dois de Muller, que dava meio toque na bola e rodava mais o ataque. E fora o show.
Galeano e Amaral eram os volantes que protegiam os laterais no início da campanha. Amaral dava cobertura quando Cafu voava quase como um ponta-direita. Galeano fechava o lado esquerdo para o apoio de Júnior, que chegara do Vitória, apoiando muito, e também armando pelo meio. Quando não jogava um deles, Flávio Conceição jogou demais, pela direita ou pela esquerda na volância daquela Via Láctea montada pela Parmalat. Cafu, Sandro, Cléber, Júnior, Flávio Conceição, Djalminha, Rivaldo, Luizão e Muller foram trazidos pela cogestora do clube, desde março de 1992. Velloso, Galeano e Amaral foram produzidos no Palmeiras.
O primeiro empate sairia no quarto jogo. Sem gols em Araras, com Cafu de volante. E justamente Djalminha de novo ao lado de Rivaldo para armar. A entrada do pernambucano de Paulista (melhor jogador do mundo em 1999) tirava um pouco do espaço de Djalminha, iliustre filho de periquito. O pai foi zagueiraço da primeira Academia: Djalma de todos os Dias.
Começou naquele 08/02/1996 uma sequência que só seria interrompida em 05/05/1996. Em quase três meses foram 21 vitórias seguidas do Palmeiras – recorde desde a fundação do clube, em 1914. Doze goleadas em 21 jogos do Paulista e da Copa do Brasil. Marcados 86 gols em 21 jogos. Apenas 13 gols sofridos. Quatro gols por partida em média. 0,6 por jogo o time de Velloso – em fase espetacular – tomava. Equipe tão iluminada que, em 30 de março, no 4 x 0 contra o XV de Jaú, estreou oficialmente Marcos na meta, no lugar de Velloso.
São Marcos que começaria um jogo oficial como titular em 19 de maio. Velloso forçou o terceiro amarelo. Marcos foi o camisa 12 contra o Botafogo. O placar foi metade dos 8 a 0 do turno, no Santa Cruz. O futuro santo defendeu um pênalti de Paulo César, orientado por Velloso, ma meta das piscinas palestrinas. O primeiro dos tantos do maior dos santos palestrinos. Marcos saiu aplaudido e com o nome gritado pela torcida. Para a reportagem da TV Bandeirantes ele disse que se sentia realizado. Para ele bastava aquele jogo pelo time do coração para ser feliz. Para felicidade geral da nação, e não apenas a palmeirense, como se veria seis anos depois na Copa, Marcos foi quem mais vestiu a camisa do Palmeiras no Palestra.
E poucas vezes a camisa verde foi tão bem vestida por um time que fazia um gol e queria outro. Ordem do treinador: não queria olé. Queria gol. A questão não era mais saber contra quem seria o jogo. Era quanto seria. E assim foi: 4 a 1 no Juventus. 8 a 0 no Sergipe pela Copa do Brasil. 8 a 0 em Ribeirão Preto. 4 a 1 no Rio Branco. 6 a 0 no América.
No jogo seguinte, 6 a 0 no Santos. Na Vila Belmiro! Foram 15 chances de gol palmeirenses – só no primeiro tempo. Três teve o Santos, mas Velloso as negou. O Palmeiras criou menos na segunda etapa ("apenas" sete). O Santos poderia ter feito pelo menos um gol em 11 oportunidades em 90 minutos. Não foi aquele 7 a 6 santista de 1958. Mas poderia ter sido. O Palmeiras teve 22 chances. E pareciam mesmo 22 palmeirenses em campo. O título antecipado do turno em show de bola inesquecível.
E teve mais! 4 a 0 no XV de Jaú. 5 a 1 na Ferroviária. 4 a 0 no Novorizontino. 5 a 0 no Atlético Mineiro pela Copa do Brasil. 5 a 0 no União. 5 a 1 no Juventus. Até empatar com o Corinthians por 2 a 2, com um golaço de falta de Marcelinho Carioca. Dois jogos depois perderia para o Guarani, no Brinco. Quando Luxemburgo queria poupar meio time. O time inteiro quis jogar. E perdeu a única das 30 partidas do Paulistão. Empatou duas. E ganhou as outras 27!
Foram 102 gols em 30 jogos. A melhor campanha do profissionalismo paulista. Título antecipado contra o Santos, no Palestra, cancelando a fase decisiva do campeonato (como foi no Rio-São Paulo de 1965, com a primeira Academia). Centésimo dos 102 gols marcados pelo artilheiro do time no campeonato – Luizão. E o segundo gol do zagueiro-artilheiro Cléber. Outro que jogou demais com Luxemburgo, e fez senhora dupla com Sandro Blum. Zagueiro eficiente que seria reserva de Claudio, ao chegar em janeiro de 1996. Mas lesão no início de temporada do ex-zagueiro do Flamengo fez de Blum titular e o único menos notável de um time acima de notável.
Timaço espetacular que chegou à decisão da Copa do Brasil como favorito, depois de eliminar na semifinal o Grêmio de Felipão, em jogo polêmico no Olímpico. No Mineirão, empate por 1 a 1 com o Cruzeiro. Na volta, no Palestra, o São Paulo deu chapéu na Parmalat e no Palmeiras, devolvendo o sombrero da contratação de Cafu, em 1995. O Tricolor deu a Muller o que ninguém recebia no Palmeiras via Parmalat. O atacante pulou o muro antes da finalíssima.
Mesmo sem Muller, com Claudio improvisado como volante, Marquinhos no meio adiantando Rivaldo para fazer a de Muller, o Palmeiras abriu o placar com um golaço de campeão. Mas o ótimo Cruzeiro empatou em rara falha de Amaral. E viraria o placar em raríssima falha de Velloso, cinco minutos depois de fazer defesa sensacional em cavadinha de Palhinha.
O Cruzeiro teve cinco oportunidades de gol em 180 minutos: marcou três; o Palmeiras teve 25 chances em duas partidas: só fez dois gols.
Acontece. Mas não merecia acontecer com aquele time fabuloso. Ainda mais na última partida de Rivaldo. A Parmalat conseguira convencê-lo a jogar o primeiro semestre de 1996. Mais tempo não teve jeito. O melhor jogador daquele time e do Brasil foi negociado com o La Coruña.
Sem Rivaldo e sem Muller, o trem-bola palestrino saiu de campo. Ele durou de 19 de janeiro de 1996 a 19 de junho de 1996. Ganhou um Paulista e foi vice-campeão da Copa do Brasil.
Pouco tempo. "Poucos" títulos. Mas um esquadrão eterno.
Nunca vi tanto em tão pouco tempo. E não sei se verei outro tão lindo em muito tempo.
Como disseram TODOS os titulares daquele time: "FOI O MELHOR TIME QUE EU JOGUEI".
Palavras de Marcos, Cafu, Júnior, Rivaldo, Luizão e Muller, todos campeões do mundo por Seleção e/ou por clubes.
Contra feitos existem argumentos no futebol. Mas era uma equipe que arrebatava até torcedores de outros times. Teve o melhor jogador do mundo em 1999. Teve seis campeões mundiais. Todos unânimes quando falam que foi o melhor time que defenderam. Ou melhor: atacaram. Golearam. Encantaram. Como torcedor do clube não precisaria de um time assim para ser ainda mais palmeirense. Mas como amante do futebol aprecio ainda mais o esporte por um time como aquele. Durou pouco. Mas é eterno
REPORTAGEM DA TV PALMEIRAS. Falo mais a respeito do time espetacular do primeiro semestre de 1996
Sobre o Autor
Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério
Sobre o Blog
O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.