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A mais linda partida não teve bola e nem times. Apenas o espírito do jogo.

Mauro Beting

01/12/2016 07h47

A partida deles todos. De todos nós. 

Final de Sul-Americana. A Bombonera cantando "Mengoooooooo" em vez de "Dá-le Boca". Foi o Atanasio Girardot ao som de "vamo, vamo, Chape", na celebração pungente em Medellín. Quando o Atlético Nacional, prefeitura, governo de Antioquia e colombianos abraçaram o mais conhecido clube desconhecido do planeta. 

A falta de rivalidade ajudou. Mas a ajuda de fato foi a que o torcedor do clube desde as primeiras horas da tragédia deu a todas as vítimas. Cantando que a Chape é campeã. Apoio que atletas e direção do Atlético Nacional deram de imediato, proclamando o que a Conmebol, mais uma vez, não consegue decidir de pronto. Sempre empurrando com o excesso de barriga e a falta de coração decisões como a punição à morte do torcedor em Oruro, as punições às manifestações racistas, a não-punição aos clubes cujos adversários só conseguem bater escanteios sob a proteção de escudos policiais. 

Tocante foi ver o escudo da Chape vestido com o branco da torcida em Medellín, mais fora que dentro do estádio. Com as velas da paz de espírito irmanado com que os colombianos acolheram Chapecó e as vítimas de uma tragédia sem precedente no esporte. De uma celebração única e absurdamente emocionante. Como foram os #90MinutosDeSilêncio na transmissão do Fox Sports. Com placar com os minutos contando como se fosse a partida que os queridos amigos e colegas que partiram não puderam narrar. 

"Prepare-se", falaria o Deva. Mário Sérgio estaria "gostando do jogo" como popularizou. PJ comentaria algo sarcástico com a classe habitual. Victorino teria perdido a chave do quarto, mas jamais algum detalhe da Chape. Rodrigo estaria sempre focado. Jumelo faria tudo e mais um pouco por tudo e por todos. 

E ainda assim nada seria mais emocionante do que foi em Medellín. Para não dizer o espírito da Arena Condá, no culto ecumênico de homenagem aos campeões não só da Sul-Americana. Dos merecedores de todas as homenagens que não só o mundo da bola prestou. 

Num mundo em que alguns não prestam, outros não prestam contas, e não poucos se prestam a apenas cornetar, maldizer, espinafrar, injuriar, caluniar ou defecar coliformes orais em nome do Ibope, o que se viu na hora do jogo nunca se viu antes. E torcemos para não ver outra vez. 

"Vamo, vamo, Chape", entoado por milhares de pessoas que não conheciam o clube e a cidade até semana passada é mote para mudar a vida. "Vamo, vamo, meu chapa", respeitar a pessoa ao seu lado. "Vamo, vamo, canibais" da intolerância respeitar quem pensa ou age diferente. "Vamo, vamo, cartolas" manter vivo e organizado o jogo, mas sem afrontar a inteligência e o respeito aos que perderam. "Vamo, vamo, atletas" tocar a bola e a vida pra frente, mas sem perder a lembrança de quem partiu. Vamo, vamo de volta pra quem pariu quem não entende a força do futebol em momentos em que nos sentimos tão fracos. 

Nenhum chanceler, comitiva e embaixada chancela o que 11 homens chutando e milhões chutando junto consegue. Nada criado pelo homem congrega mais que essa atividade que a talibancada desagrega e despedaça em nome da intolerância da cor única, da falta do pensamento único, da Verdade Suprema que é o sumo, cume e cúmulo da falta de civilidade. 

O futebol é a melhor imperfeição criada pelo homem. Metáfora para tudo. Mas nem ele consegue explicar o elo que existe agora entre Chapecó e Colômbia. Os clubes que usarão nas próximas partidas o símbolo da Chape no peito. A Ponte Preta que ficou verde por ela e o Guarani que ficou negro como o Palmeiras que viu o maior rival Corinthians se pintar de verde de Chapecoense. 

Mas será que só na tragédia somos solidários? Não podemos ser também mais minimamente respeitosos em outros tratos e trajes? Não é preciso aplaudir o gol rival. Mas é necessário entender que o jogo é o mesmo. As regras iguais. Que alguém precisa perder para a gente ganhar. É preciso saber vencer e também perder. E muitas vezes empatar. 

Perdemos um time e muitas vidas na Colômbia. Mas ganhamos dois clubes pelos quais torcer lá e cá. Como escreveu o Twitter do meu Esporte Interativo, o Nacional é o terceiro time de todo brasileiro.  Como estava em uma das faixas na Colômbia: "uma nova família nasce". Como escreveu o Garone no blog dele: "Chapecó estava preparada para uma partida, jamais para 71". 

Eu nunca fui tão Verdão. E nunca amei tanto o futebol que me deu em Medellín a mais linda partida que já vi. Sem equipes, sem bola, sem árbitros, nem mesmo as traves que estavam desmontadas como altares. 

Apenas o espírito do jogo. Uma partida. A partida deles todos. De todos nós. 

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Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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