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Iniesta. Por perto e pra sempre.

Mauro Beting

28/04/2018 12h27

https://youtu.be/86MpZTqoWZk

Iniesta não dribla. Ele faz slalom em campo. O meia que por 20 anos cresceu em La Masia até se tornar o maior jogador da Espanha (melhor que seu gêmeo Xavi, seu antecessor Luís Suárez nos anos 60, e que Raúl) parece um poste pregado no meio da geleira com marcadores patinando entre ele como se escorregassem na geleia. Cercando sem chegar perto, eles veem o bailarino saindo para os dois lados como se fosse a coisa mais natural e bela do mundo.

O saudoso Tito Vilanova, auxiliar e sucessor de Guardiola no Barcelona, aprofundava a imagem a respeito de um dos maiores de todos os tempos e campos: "Iniesta não corre. Ele desliza. Vai pra frente e para trás, para os dois lados com a bola". Um patinador no gelo. Um skatista. Um gênio.

Iniesta é meia a partir da esquerda. Pode ser ponta por ali. Pode ser o que quiser. Quando começou pra valer no Barça de cima, em 2005 (depois da estreia em outubro de 2002), usualmente substituía Giuly na ponta-direita de Rijkaaard. Quando ganhou um lugar ao lado de Xavi no time e na história do melhor time que vi desde 1972 (o Barcelona de Guardiola de 2008 a 2012), só não superou Messi. O ET argentino também foi o que é por receber as bolas de Iniesta. Os passes, viradas, enfiadas, infiltrações, tabelas, taquitos, toques, paredes, dribles, fintas, gingas, cavadinhas, espaços. A generosidade de Iniesta. Um que fez o Barcelona ainda maior. Um que também foi o que anunciou agora que deixará de ser por também ter atuado em um time que transformou suas pinturas pelo campo em obras de arte e engenho.

Guardiola conta: "uma das tantas coisas que aprendi com Andrés foi a importância de atacar os zagueiros centrais. Você abrindo espaço entre eles, quebrando o paredão por dentro, acaba ampliando as chances de abrir brechas para atacar. Tudo é questão de abrir buracos entre as linhas para criar espaços atrás delas. Tudo que ele sempre tenta fazer".

Tudo que ele e Messi fizeram mais e melhor do que todos nos últimos 40 anos. Aquele golaço que Iniesta deu a Lionel para dar um totozinho na saída do goleiro do Arsenal. O melhor exemplo.

Pep aprendeu a importância do drible para criar espaços, desbalancear a zaga rival e criar superioridade numérica pelo talento de Iniesta para enxergar o jogo e os jogadores (como Xavi) e abusar do drible absurdo (como Messi).

No vídeo anexo, o primeiro gol que foi editado de Andrés só aparece aos 2min17. E parece que não era preciso como ele anotar tantos gols. Ainda que fizesse golaços decisivos como na semifinal polêmica de Stamford Bridge em 2009, e na final da Copa de 2010. O festival de regates, remates sem retoques é imenso. Por vezes parece a ginga de Garrincha. A malícia de Maradona. A manha de Messi. A elegância de Zidane. A velocidade de pensar de Cruyff. As carreiras pelas carreteras de Gento. As portas abertas por Xavi. O videogame dos consoles. A inconsolável partida de Iniesta.

Tão fenomenal e único que pediu para deixar o Barcelona de toda vida só para evitar que a dele se esvaia nos últimos anos sem a mesma enorme capacidade técnica, física e tática.

Iniesta não parece deste tempo. Por ser um clássico, pertence a todos eles. Pela simplicidade em fazer tudo tão natural em espaços ínfimos. Pela intimidade com a bola para acelerar e desacelerar. Burlar qualquer marcador com um repertório refinado.

Nunca é firula. Só recurso. É o prazer maior da paixão: o de dar prazer. E o mais difícil: respeitando o rival.

Não lembro um drible desmoralizante ou descabido com intenção de desprezar. Sempre foi pelo time e pelo jogo. Também pelo resultado. Não para resultar escárnio. Jamais. Respeito pela estética. Sempre. Talvez por isso não se vejam tantas pancadas e porradas sofridas. Primeiro que até a violência ele conseguia driblar. Segundo que ele incita admiração mais do que raiva.

Paco Seirulo, antigo preparador físico do Barcelona, define bem o jeito raro de Iniesta definir os lances. "Ele sabe como achar o caminho onde não tem saída. Quando está cercado por vários rivais ou mesmo espremido na borda do campo, Andrés acha uma brecha. Ele tem completa noção de tempo e espaço".

Iniesta parece criar tempo e bolar espaço. E com a velocidade que ele quiser. Ora acelerando como poucos. Ora desacelerando como raros. Muitos conseguem correr muito. Mas só os craques conseguem frear quando necessário para voltar a correr quando preciso. Lorenzo Buenaventura, preparador físico de Guardiola, segue na mesma linha: "a maior virtude dele é saber quando parar a jogada e quando a retomar. O que me impressiona nele não é a velocidade. E a freada. E como ele retoma o pique pra seguir driblando".

Iniesta sempre soube fazer. Nasceu sabendo. E soube ainda mais ao crescer na base do Barça. Para Pep Guardiola, "drible não é velocidade, não é força. É arte".

É Iniesta.

Pep Guardiola ganhou 14 títulos treinando Andrés, de 2008 a 2012. Todos os que disputou na primeira temporada que começou com um empate em casa e uma derrota. Pressão da imprensa e torcida sobre um treinador novato. Mas apoiado de primeira hora por Iniesta, que numa noite no Barcelona disse para Pep seguir fazendo o que fazia que os resultados viriam. Como vieram e viraram o maior time que vi.

Iniesta que não era de falar. Fazia. Mas naquela noite deu o gás a Pep, depois de levantar o astral e a bola do treinador.

⁃Vamos de puta madre!!!

Foi o que berrou o calado Andrés depois da rapidamente dar apoio a Pep. Uma das histórias que Guardiola mais gosta de contar no futebol. Ele entende que jogadores carregam e ajudam mais o treinador também fora de campo que o contrário. E Iniesta foi seu melhor exemplo. "Ele nunca foi de falar muito, expressar sentimentos. Aí ele vai pro meu escritório, quando 86% das pesquisas não me queriam no clube, e fala que vai dar tudo certo, que ganharíamos tudo – como ganhamos mesmo! -, e que estava comigo para tudo. Como não achar esse cara o máximo?"

Outra lição que Pep aprendeu com ele foi foi entender melhor o futebol só de ver Iniesta jogar. E ele sabe o que fala e o que viu desde os 15 anos de Andrés. Quando deu a ele o troféu da foto como craque de um torneio sub-15 da Nike. Pep disse ao Xavi que começava a ser outro monstro blaugrana, em substituição ao ótimo volante Guardiola que em breve deixaria o clube, que o futuro estava ali: "você vai me aposentar em breve no Barcelona. E esse menino vai aposentar nós dois, no futuro".

Infelizmente, Iniesta não tem para quem dizer o mesmo ao deixar seu clube. Mas seria pedir demais ao Barcelona e a Espanha alguém que jogue como ele. Seja solidário como ele com a bola aos pés. Pense como ele. Aja como ele ao deixar o clube antes que o futebol o deixe – se é que o futebol teria coragem de fazer essa desfeita. Uma pessoa que faça o gol do título mundial contra a Holanda a três minutos do final da prorrogação, arranque a camisa da Espanha e tenha no peito a homenagem ao amigo, colega e rival de Espanyol Dani Jarque, morto 11 meses antes da Copa, com 26 anos.

Final que Iniesta quase não jogou. Mundial que ele quase não disputou. Depressão que quase o tirou do futebol. Ele ainda refuta dizer que era "depressão". Mas por meses depois da morte do capitão do Espanyol, Iniesta se sentia vazio. Com receios. Sem motivação. Não treinava bem. Não jogava tão bem. Guardiola percebeu e sabia. Ele procurou ajuda. Psicólogos o colocaram em forma. Mas ele ainda temia. Não tremia. Na madrugada da final na África do Sul, acordou 4 da manhã. Ou nem dormiu. Receava que não estivesse bem fisicamente. Por isso resolveu correr pelos corredores do hotel. Só para saber se suportaria a final que suportou. Para marcar o gol do título que dedicou ao amigo, na mensagem escrita pelo roupeiro da Roja. No primeiro jogo em que a mãe de Jarque conseguiu assistir depois da morte do filho. Ao lado da viúva que também não via mais futebol desde o infarto do marido. Ao lado de Martina, nascida um mês depois da partida do pai.

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Andrés que deixara aos 12 anos Fuentealbilla, Albacete, para morar na escolinha do Barcelona. Chorava quase todas as noites. Mas sabia que era aquilo que queria. O que sempre fez desde então: "tudo que eu faço no Camp Nou era o que eu jogava no campinho da minha escola. Tudo que eu fazia aos 12 anos em La Masia é o que vou usar por toda a minha carreira" que deverá continuar mais algum tempo na China.

Iniesta tem poucos 57 gols em 649 partidas de um Barcelona megagoleador. Mas o que ele passou para tantos gols. O que criou de belezas pelo campo. O que foi solidário em lances. O que jogou demais com o time e para o time não tem como quantificar. Apenas agradecer.

Como fala um certo camisa 10 nascido em Rosário:

"Quando a coisa tá ruim em campo, a melhor coisa é ter o Iniesta por perto".

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Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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