Quando não temos palavras pra narrar
Mauro Beting
27/03/2019 10h08
Rafael Henzel, quando te vi depois do acidente, não sei o que falei. Apenas me emocionei como milhões. Agora que você partiu, tento encontrar algo e também não acho palavras.
Apenas o vazio.
Consegui falar muita coisa para as famílias dos que partiram em Medellin. As amigas, colegas e que as viraram queridas.
Mas agora não estou achando nada.
Só o vazio.
Faz 56 anos que meu avô partiu dias antes do filho dele casar com minha mãe. Naquele 26 de março de 1963, meu pai disse que ouviu uma voz o chamando em São Paulo onde trabalhava. Parecia a do pai. Não o viu. Porque o pai estava num caminhão em Tambaú. Dele caindo na estrada.
Não ouvi a sua voz agora, Rafael, enquanto via o Palmeiras fazer sua melhor partida em 2019, conduzido pelo melhor e o pior de Felipe Melo.
Chapecó não vai mais ouvir a sua voz, Rafael. Mas como todos que partiram em Medellin, ela ainda nos fala muito.
O mundo é mezzo pazzo como FM, meio inteiro maluco como Deyverson. E fica ainda mais sem chão e sem o coração que levou mais cedo Rafael Henzel.
Força e luz à família. E a gente que vive pra contar as partidas fica mais uma vez sem voz pra contar essas. No Pacaembu e em Chapecó.
@tavinhotv, você tem todo o direito de hoje perguntar pra Deus: "por quê?". Do mesmo modo como desde 29 de novembro de 2016 você agradece a Ele pelo seu pai te levar todo dia cedo pra escola, passar horas no videogame contigo, vivendo ainda mais intensamente você e a sua mãe.
Se a gente que não é família como vocês ainda não entende o que tem de mais compreensível (a partida final) depois do incompreensível milagre de Medellin, não quero imaginar você. Seu pai e os cinco sobreviventes são heróis como os que partiram. Mas eles parecem ainda mais. Porque venceram a tragédia.
Parece que perdemos o Superman. E você perdeu mesmo. Não só porque é seu pai. Mas porque ele foi um irmão pra quem não o conheceu. É um exemplo de como virar a vida que não perdeu por milagre. E que logo depois foi tirada.
Natural. Mas também não é. Talvez Deus tenha levado seu pai pra narrar lá em cima aos que partiram naquele dia tudo que os queridos e os que querem sentem aqui embaixo.
E ainda assim não entendemos como. O porquê. E o quando.
Não é mesmo pra entender. Mas quero só estender meu abraço aqui de longe. Vai por mim. Seu pai estará ainda mais contigo a partir de agora. Também não se explica. E nem precisa.
Sobre o Autor
Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério
Sobre o Blog
O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.