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Blog do Mauro Beting

Carta de São Paulo aos infiéis. Parte 1 da classificação tricolor

Mauro Beting

19/05/2016 07h01

Carta de São Paulo aos infiéis. 

O que faço, continuarei a fazê-lo, a fim de tirar qualquer pretexto àqueles que procuram algum para se gabarem dos mesmos títulos que nós temos. Esses tais são falsos apóstolos, operários fraudulentos, disfarçados de vencedores da Libertadores mais vezes que nós. E não é de estranhar! O próprio adversário se disfarça em anjo de luz! Por isso, não me surpreendo de que os ministros e atletas dos rivais se disfarcem como servidores da justiça. Mas o fim deles corresponderá às suas obras.

Títulos que testemunham — Repito: que ninguém me considere louco, ou então: que me suportem como louco, a fim de que também eu possa gabar-me um pouco. O que vou dizer, não o direi conforme tricampeão da América, mas como louco, certo de que tenho motivos para me gabar da minha soberania. Visto que muitos se gabam dos seus títulos humanos, também eu vou gabar-me. Vós, assim tão sensatos, suportais de boa vontade os loucos com 6-3-3 razões. E suportais que vos escravizem, que vos devorem, que vos despojem, que vos tratem com soberba, que vos esbofeteiem. Digo isto para vossa vergonha: até parece que nós é que somos fracos…

Aquilo que outros têm a ousadia de apresentar — falo como louco — eu também tenho. São campeões da América e parecem ter mais elenco? Eu também. São bons de bola, ganharam o jogo, têm torcida fanática, pareciam que goleariam em 10 minutos? Eu também respondo vindo dos céus com Maicon. São descendentes de Telê? Eu também. Falo como louco: eu sou-o muito mais. Muito mais pelas fadigas; muito mais pelas prisões; infinitamente mais pelos açoites; frequentemente em perigo de morte; dos adversários, do Aidar, do Centurión desde Roma, do Strongest, do Trujillanos, da imprensa infiel (ou Fiel até demais), nas bolas aéreas, nas saídas erradas da meta, recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Fui flagelado várias vezes; uma vez foi apedrejado o ônibus; três partidas naufraguei este ano na Libertadores, passei vários dias e noites no alto fogo do inferno em dúvida pela minha capacidade. Fiz muitas viagens: ao Peru e não fui bem. À Venezuela fui muito mal. Perdi no México, mas havia conquistado o céu no Morumbi. Perdi no Horto, mas os frutos eu já colhera no lar. Sofri perigos no rio da Prata em Buenos Aires, perigos por parte dos ladrões, quer dizer, ou melhor, em decisões discutíveis e interpretativas, perigos por parte dos meus irmãos de raça e alguns sem muita raça como nosso time muitas vezes nos últimos meses, perigos por parte dos pagãos e dos remunerados alheios, perigos na cidade violenta é intolerante como poucos da nossa torcida, perigos no deserto técnico e nas limitações de nosso time, perigos no mar de intrigas de nosso clube, perigos por parte dos falsos irmãos, alguns já afastados. Mais ainda: morto de cansaço, muitas noites sem dormir, sem jogar bem, sem criar, sem passar bem, sem marcar, com fome e sede, muitos jejuns de gols e vitórias, com frio e sem o nosso agasalho tão bonito da Under Armour. E isto para não contar o resto: a minha preocupação quotidiana, a atenção que tenho por todas as pessoas que comungam no Clube da Fé. Quem fraqueja, sem que eu também me sinta fraco? Quem cai, sem que eu me sinta com febre? Estamos todos no mesmo time. Sempre. 

Se é preciso gabar-se, é da minha fraqueza que vou gabar-me. Da minha humildade em ser um gigante na América e no mundo, em nome de Telê, Rogério e do espírito são-paulino. O Lugano e Pai de todos nós, que é bendito para sempre, sabe que não minto. Acreditem em mim, e na minha palavra. Quando o desafio é enorme, eu sou o milagre. Somos todos juntos. São todos Paulo. São Paulo.

(Baseado e inspirado em Cartas de São Paulo aos Coríntios. Trecho adaptado livremente da 11ª carta. Com todo o respeito e devoção à minha religião). 

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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