Abrindo o jogo
Cinquenta anos depois de meu pai iniciar a gestação de um novo jeito de fazer jornalismo econômico, hoje dou à luz meu blog nos 20 anos do UOL. Eu estava na barriga de dona Lucila, em 1966. Desde então, meu Babbo virou craque multimídia para falar de economia como se fosse futebol. Mas é minha Mamma quem realmente entendia de economia em casa.
Sou jornalista há 29 anos por ser torcedor há 49. Só estou no jornalismo esportivo há 26 por ser palestrino uterino.
Não sei "o dia em que me tornei palmeirense" (nome de um dos meus 14 livros). Foi na concepção, e prefiro não saber detalhes. Não sei o dia em que defini que faria jornalismo (algo que não se presta). Mas neto, filho, sobrinho, irmão e primo de coleguinhas, nunca pensei ser outra coisa – e, se pensasse, talvez não fosse. Trabalhando com e por esporte com enorme prazer de ofício, nunca tive dúvidas. Apenas as dívidas naturais do exercício fiscal e da fiscalização do exército das talibancadas futebolísticas.
Fundamentalistas que corretamente nos cobram isenção, e incertamente nos cornetam quando tentamos ser imparciais.
Muito do que sou, tenho, faço e sonho se deve àquilo que via meu pai fazendo no trabalho árduo. Mais que tudo, a tudo que nós mais e melhor fizemos juntos: torcer.
Joelmir Beting nunca falou o que eu deveria fazer em qualquer campo. Mas, no de jogo, eu e ele seguimos o Palestra que nos ensina e o Palmeiras que é nossa sina. Como você torce por outro clube. Ou até pelo nosso – e por isso torce o nariz e quer torcer meu pescoço quando me vê tentando ser independente.
É do jogo. Mais feliz ainda ele será se você torcer pelo clube do pai. E muito mais se tiver filhos e mulher que comunguem as mesmas cores e credo – meu caso em casa. Sou mesmo um cara de muita sorte. Meus ternos amores, minha mulher e meus filhos, torcem por dois times em comum. O nosso time. E o nosso clube.
O último texto da vida do meu pai também seria publicado na Folha, no Day After do rebaixamento alviverde em 2012. Não deu. Ele não quis. E nem poderia. Uma semana depois, um AVC o devastou. Onze dias depois, ele foi. Sem a gente falar uma palavra sobre a queda. Não precisava. Nos últimos meses de convalescença o assunto era sempre o mesmo: o time da família. Ainda mais família por ter um time.
Escrevemos juntos naqueles meses de hospital uma preleção para os jogadores antes de uma vitória verde em Florianópolis. Escrevemos juntos o prefácio para o livro de fotos de São Marcos. Estivemos juntos os últimos meses como todos os anteriores. Falando de futebol. Cornetando nosso time. Vivendo o amor incondicional. Aquele que ele definiu numa frase que ficou gravada no vestiário do velho Palestra. Vestida pelos nossos jogadores no dia em que o time jogou de luto em sua homenagem. A frase que não precisa ser explicada para quem é. E é impossível entender para quem não é.
Nos sete dias entre a queda do time e a queda da consciência dele com o AVC não cornetamos ou lamentamos aquele empate em Volta Redonda. Ele sabia que um dia voltaríamos. Embora lá no fundo da dor ele soubesse que esse dia ele não veria com a família.
Inicio agora no grupo onde começou pra mim o jornalismo esportivo, em 1990. Ganhei prêmios, empregos, amigos, colegas, fãs, desafetos. Hoje começo onde há 50 anos meu pai desembrulhava o pacote da revolução na cobertura econômica. Fazendo o caminho para ser um profissional de rádio, TV, revista, internet e, óbvio, muitas palestras. Palestrino palestrante. Hoje, o filho trabalha em rádio, TV, revista, internet, videogame, museus, filmes e documentários. Posso dizer que aprendi algo com o pai, mestre e ídolo: fazer tudo o que a gente gosta não cansa. Fazer tudo com paixão também é uma forma de amar.
Obrigado por me acompanharem nesta viagem que promete ser longa. E que seja como o futebol. Não existe derrota definitiva. Nem vitória. O que há e não tem etiqueta de preço e nem promoção é poder conversar com quem você ama sem precisar dizer uma palavra. Apenas um grito gutural de gol. Ou um silêncio sepulcral de dor. E, no final, seja qual for o resultado, um abraço apertado de cumplicidade.
A vida segue. Como um jogo que independe da cor de camisa. Só do saber de cor e salteado que amor só muda o nome. E os 11 que defendem e atacam por ele.
Não existe melhor imperfeição criada pelo homem que o futebol. Não existe nada que me una mais a quem não está aqui que aquilo que sempre nos fez estar juntos.
O futebol. O nosso tema nestas linhas a partir de hoje. E que seja Pelé enquanto dure.
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