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Blog do Mauro Beting

Como nossos pais. Acredite. Leicester 2 x 0 Sevilla.

Mauro Beting

14/03/2017 19h08


Schmeichel, o pai, foi campeão da Europa pelo Manchester United, em 1999. Um senhor goleiro.

O filho foi campeão inglês pelo Leicester em 2016, naquele conto de fadas de sessão da tarde que eu não assistiria se fosse ficção. E foi tudo Leicester.

O pai estava na arquibancada do King Power Stadium nas oitavas da Liga dia Campeões de 2017 também porque o filho garantiu a derrota "mínima" na ida por 2 a 1, na Espanha. Ele defendeu um pênalti mal batido por Correa, e fez mais um pacote de defesas em Sevilla que impediram a goleada do ótimo time da casa, tricampeão da Liga Europa, que tinha uma sequência de 12 mata-matas europeus vencidos, e que há três semanas sonhava com a liderança do Espanhol, e era muito mais time que o campeão inglês que, então, estava a um ponto da zona de rebaixamento…

Desde 1938 um campeão inglês não é rebaixado na temporada seguinte. Então foi o Manchester City. Agora, poderia ser o Leicester. Por isso, "e só por isso", o dono do clube e seu filho, empresários tailandeses, resolveram demitir o treinador italiano que, seis semanas antes, ganhara o prêmio THE BEST da Fifa como melhor técnico de 2016… Claudio Ranieri que, nove meses antes, levara um clube que lutara para não cair ao inédito e impensável e impossível título da Premier League. O clube que tinha uma chance em 500 mil nas casas de apostas inglesas.

Na nota oficial da absurda demissão um dia depois da derrota em Sevilla, que não era tão dolorida pelo gol no final de Vardy (que até então não marcara em 2017 na Premier League), os donos do Leicester disseram que "o único e principal objetivo do clube é ficar na primeira divisão do país". A Champions não era prioridade. Quase um estorvo.

Assumiu o auxiliar Shakespeare, desde 2011 no clube. Como interino. Como o italiano Roberto di Matteo assumiu o Chelsea entre um jogo e outro da Liga, eliminando o Napoli, e seguindo até o título em 2012, eliminando os uber favoritos Barcelona e Bayern (na final em Munique!). Depois de duas belas vitórias contra Liverpool e Hull, o Leicester de Shake parecia mais encorpado. Ou menos desalmado como estava com Ranieri. Diferentemente do Sevilla, que poupou titulares, veio de empates decepcionantes contra Alavés e Leganés, e esqueceu o futebol intenso, tático, físico, obsessivo e opressivo. Deu o campo ao Leicester. Até a bola, que pouco trabalha o time inglês. E assistiu a Morgan abrir a contagem em gol lotérico. E Albrighton ampliar no início do segundo tempo.

O Sevilla foi à frente. Mas Nasri, ótimo jogador, mais um dos novos Petit Zizou, imitou no que não deveria Zidane, deixou a cabeça em Vardy, e foi merecidamente expulso. Nem o pênalti mal marcado deu nova vida aos espanhóis. Quarto pênalti seguido perdido pelo Sevilla. Segundo defendido pelo filho de Schmeichel. Nesse momento, o velho pai era o orgulhoso e feliz pai do ótimo goleiro do redivivo Leicester.

Mudança na escalação, apenas a volta de Okazaki. O 4-4-1-1 mantido. Vardy era outro, ou aquele do ano passado. Mahrez, o melhor do time, também. Drinkwater, que disse que Shakespeare havia apenas refeito o simples com os atletas e  o time de Ranieri, voltou a fazer de tudo no meio. Por ele e por Kanté, monstro que hoje está no Chelsea, e que também esteve nas tribunas do estádio. Celebrando o 2 a 0 redentor. Da classificação no jogo mais importante em 133 anos de clube.

Quando o filho jogou como o pai. Quando todos os pais de Leicester ainda não sabem contar para os filhos o que estão vendo.

Aquilo que o brilhante repórter do Esporte Interativo em Leicester, Fred Caldeira, captou minutos antes da transmissão, em um pub à frente do estádio. Uma banda mandando bem um sucesso dos Monkees: "I´m a Believer".

"Eu acredito. Eu pensei que o amor só fosse real em contos de fadas. Feito para qualquer outra pessoa que não fosse eu. (…) Então eu vi o seu rosto. E agora eu acredito. Nem um pingo de dúvida em minha mente. (…). Eu achava que amor era mais ou menos uma coisa determinada. Quanto mais eu dou, menos recebo".

É assim parte da letra. Foi assim muitos dos 133 anos do Leicester.

É assim o futebol.

Acredite nessa paixão de pai para filho.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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