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Blog do Mauro Beting

15 anos do penta. Carta a um eneacampeão mundial em 2034. 

Mauro Beting

30/06/2017 12h50

Amado Luca, 
Eu tinha três anos e nove meses quando o Brasil foi tricampeão mundial. No dia do penta, você está com essa mesma idade. Com oito meses e 15 dias, o seu irmão Gabriel não sabe o que é futebol neste 30 de junho de 2002. Parece até jornalista, técnico, ex-jogador e torcedor que metia pau no Brasil do Felipão antes da Copa e enchia a bola da França e da Argentina (eliminadas na primeira fase do Mundial), e do goleirão Kahn, co-artilheiro da final de Yokohama.
Nesta manhã de domingo estive contigo e o seu avô, o Nonno, buzinando pela cidade, com a cabeça para fora da janela, abraçando postes e gente de todo tipo de posses pela pista. Ele perguntou se já tinha visto festa daquele jeito. "Só vi festa em apartamento, Nonno", respondeu você num sorriso que não se escreve.
Eu também nunca vira nada igual. Nem em 1970. Até porque não lembrava do tri. Só sabia que o time era inesquecível, e também saíra do Brasil sob vaias. O seu avô sempre contou. Ele só não disse que você quase não está aqui para ler esta carta. Porque eu também não estaria: no segundo jogo da Copa do México, contra a Inglaterra, o Nonno comemorou o golaço do Jairzinho, aquela proeza da arquitetura futebolística de todo o time do Brasil, me atirando pelos ares. Quer dizer, esquecendo que estava no colo dele. Fui parar atrás do Telefunken valvulado da vovó Joana. Sem escoriações. Sem traumas. Parar atrás de um aparelho de televisão para quem vive à frente ou dentro dela é normal.
Em 1994, no tetra, eu estava lá, no Rose Bowl, pela Rádio Gazeta, comentando um time burocrático que ganhou uma Copa modorrenta do jeito que o Romário quis. Quase derreti nos 50 graus de temperatura de Pasadena. Mas não me emocionei como deveria com aquele caneco engasgado havia 24 anos. Não era a mesma coisa. Não sei se o time não ajudava. Não sei se era a saudade de casa. Do aroma e do astral do Pacaembu, meu primeiro templo, naquela noite de outubro de 1973: um empate sem gols chocho e chatinho que só vendo entre Palmeiras e Vasco…
Mas como não rever sempre aquele primeiro jogo da vida em um estádio? A visão do gramado verde como a camisa do Palmeiras, a linda camisa negra do Vasco… A Academia de Ademir da Guia era uma rima que era uma seleção. Já era campeã brasileira em 1972 e acabaria sendo bi naquele 1973. Seria para sempre o meu (o seu) campeão. Mesmo passando 16 anos de pão e lágrima sem títulos, de 1976 a 1993. Mesmo se mandando à segunda dos infernos, em 2003. Você lembra bem: numa noite de outubro, 30 anos depois do meu primeiro jogo no estádio, você foi no meu cangote pelas alamedas do Palestra Itália, e no colo do Nonno durante a partida, viu no campo o primeiro jogo da vida verde: Palmeiras 3 x 2 Brasiliense. Uma noite em que a torcida caprichou na festa, usando até canhões de luz no gramado, fazendo uma tormenta de papel picado na arquibancada lotada. Um 3 x 2 que, para você, Luca, foi só 3 a 1: em um dos gols do Brasiliense, adivinhe quem estava jogando um game no meu celular… Como a torcida não moveu um músculo e nem suspirou no gol do adversário, você não viu e não ouviu nada. Só minutos depois leu, no placar eletrônico, que o jogo estava 3 x 2. Então, do baixo dos seus cinco anos, largou o joguinho, deu um game over no celular, e ficou encolhido no colo do Nonno até o jogo que de fato valia acabar. 
 A vitória por 2 x 0 sobre a Alemanha, na decisão da Copa de 2002, não foi o primeiro, não será o último, não foi o melhor, não foi o mais tocante, não foi O jogo da minha vida. Mas foi o primeiro que celebrei com o amor que, como o nosso time, vai me acompanhar pelos dias. O penta foi o primeiro título mundial que comemorei no Brasil. E no meio da rua. Lugar que nestes dias de começo de século é uma terra de ninguém, Luca e Gabriel. Ou era, filhos. O brasileiro retomou a rua e o orgulho. O cidadão saiu do apartamento. Poderia até sair do aperto, quem sabe?
Não sou o pai presente que gostaria de ser para vocês. Mas obrigado pelos presentes que vocês são para mim, Luca e Gabriel. A culpa é um pouco do Nonno, o (ir)responsável genético por fazer o seu pai perder os fins de semana correndo com os olhos atrás da bola, e o (ir)responsável profissional por fazer o seu pai jornalista, tentando ser o que o velho Joelmir é: o melhor pai que um jornalista pode ser, o melhor jornalista que um filho pode ter.
 Espero que os meus netinhos tenham a felicidade de poder sair à rua comigo e com vocês, festejando o eneacampeonato. Comemorando, se a gente quiser, numa estrada diferente, numa cidade melhor.
Melhor que o futebol, só a festa dele. Só a alegria de poder abraçar quem a gente nunca viu na vida num grito de gol. Só a palavra que não existe para narrar o que é vibrar a vitória com que nos faz celebrar até as derrotas mais doídas. Comemorar a felicidade de ser pai dos meus filhos e avô dos seus filhos.
O seu sorriso, Luca, vendo aquela gente de toda cor e de todos os cantos pulando pela rua e subindo por toda parte, aquilo valeu por 32 anos de vida. Deu sentido às dores de 1982 e 1986, quando perdemos jogos, mas ganhamos a admiração do mundo; deu consolo à raiva das derrotas e desperdícios de 1978 e 1990.
Mas essa é uma história para outras cartas e sorvetes com os filhos do Luca e do Gabriel. Meus amores de sempre, hoje vivendo com nossa nova e maior família que há cinco anos se reuniu. Hoje, 15 anos do penta, lembro o Marcão sendo Marcos, a Khangada do goleiraço alemão, o Ronaldo fazendo aos nossos olhos uma vitória de Sessão da Tarde de tão inverossímil quanto maravilhosa, o Rivaldo jogando tudo, o Brasil sendo Brasil. Em campo. Fora dele, Luca, é tudo isso que você viu nessa semana em que você conheceu Brasília. E é muito mais que isso. Ou menos.
Você perdeu um pouco da paixão em 2006. Ficou com raiva em 2016. Meio que nem ligou em 2014 com aquele apagão. Talvez em 2018 a história seja outra. Que seja. Desde que os meus filhos sejam os mesmos, estamos juntos.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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