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Blog do Mauro Beting

Desconstruindo mitos do 5 de julho de 1982. Brasil 2 x 3 Itália.

Mauro Beting

05/07/2017 15h46

ESCREVE GUSTAVO ROMAN

Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior. Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Serginho e Éder. Quem não se lembra da escalação da Seleção de 82? Uma equipe que encantou o mundo. Conquistou até os mais gélidos corações. É lembrada até hoje como uma das maiores de todos os tempos. Tudo isso sem nem ao menos ter chegado à semifinal da Copa da Espanha. Porém, até hoje alguns mitos sobre aquela Copa e especialmente sobre aquela partida perduram. Talvez pela memória afetiva de quem só viu ou se lembra dos melhores momentos. Muito por conta de quem só ouviu falar.

Realmente, os comandados de Telê não estavam na ponta dos cascos naquele verão europeu. O apogeu havia acontecido no ano anterior, na excursão ao velho continente, com vitórias contundentes diante de Inglaterra, França e Alemanha Ocidental. No Mundial, faltava um ponta-direita no elenco. Ou ao menos alguém que ocupasse aquele espaço no campo. Por ali, Cabrini desceu desmarcado para fazer o cruzamento no primeiro gol italiano no fatídico 5 de julho. Faltava também um centroavante que se entendesse melhor com o toque de bola refinado de um dos maiores meio de campos da história. Serginho abria espaços. Brigava entre os zagueiros. Mas se enrolava com Zico quando a finalização era muito mais propícia ao craque rubro-negro. O destino também resolveu jogar contra. Careca, jovem centroavante do Guarani, seria o titular. Acabou cortado dias antes da estreia por lesão. 

As vitórias diante da URSS, de virada, e com uma grande ajuda do árbitro espanhol Lamo Castilho, que deixou de assinalar dois pênaltis claros de Luisinho, mascarou uma atuação nervosa e com muitas bolas levantadas, que quase consagraram o ótimo goleiro Dassaev. Virada no brilho individual de Sócrates e Éder. Na sequência, goleada diante dos escoceses. Mais uma vez sofrendo o primeiro gol. E empatando com uma magistral cobrança de falta de Zico na parte final da etapa inicial. Com o gol de Oscar logo no reinício da partida, a Escócia teve que se abrir. Com espaços, o Brasil brilhou nos 45 minutos finais. A goleada diante dos amadores da Nova Zelândia foi apenas um treino para a fase seguinte.

Quando os grupos foram sorteados, 9 em cada 10 apostadores apontavam que o Brasil teria ao seu lado Polônia e Bélgica no triangular que contava como quartas de final. Com a Argentina de Maradona e a Itália bicampeã do mundo tropeçando, a chave de Barcelona foi considerada a da morte. Três camisas de peso. Três campeões do mundo. A Azzurra estreou batendo os hermanos. Eles tiveram que buscar o ataque diante do Brasil. Nos contra-ataques precisos, vencemos por 3 a 1. E abrimos importante vantagem no saldo de gols. Poderíamos empatar com a Itália.

No dia 5 de julho de 82, os italianos jogaram a sua melhor partida na Copa. Marcaram muito. Mas em momento nenhum jogaram retrancados como muitos gostam de afirmar. Abriram o placar logo aos 5 minutos, no corredor onde não havia ninguém para marcar a descida de Cabrini. Sócrates empatou. Aos 25, Cerezo deu aquele passe nas costas de Falcão. Luisinho já se lançava à frente. E Rossi, livre, avançou para fazer 2 a 1. A marcação italiana beirava a perfeição. Gentile pegava Zico. Orialli cuidava de Éder. Tardelli e Antognioni de Sócrates e Cerezo. Conti acompanhava Júnior. Graziani vigiava as descidas de Leandro.

Na etapa final, a solução foi fazer os laterais brasileiros atacarem como meias. E Falcão e Sócrates aparecerem pelas laterais, confundindo a marcação individual da Azzurra. Funcionou. O jogo ficou emocionante. O Brasil perdeu três boas chances. Rossi, no entanto, desperdiçou a melhor de todas, cara a cara com Valdir. Aos 22, o deslocamento sem bola de Cerezo levou três italianos. Falcão bateu e empatou novamente a peleja. Voltávamos a estar classificados. O Brasil teve uma única chance de passar a frente. Mas Éder preferiu o drible a servir Zico, muito mais bem colocado.

Neste momento, cai nova lenda. Telê pôs Paulo Isidoro na vaga de Serginho. Passou Sócrates para o comando do ataque. Ganhou poder de marcação. Equilibrou mais a equipe. Mesmo assim, com os onze jogadores em sua retaguarda, a Itália marcou o terceiro, em lance que Júnior deixou Rossi em posição legal. A Azzurra ainda chegou ao quarto tento. Absurdamente mal anulado pelo árbitro. Ainda houve tempo para Oscar quase empatar em uma cabeçada que só não entrou porque o goleiro era o extraordinário Dino Zoff. Embalados depois da vitória, os italianos bateram a Polônia sem o craque Boniek na semifinal e uma Alemanha esfacelada fisicamente depois da batalha diante da França

A principal lição que fica depois da derrota é que o brasileiro não perdeu para uma equipe qualquer. A Itália tinha grandes jogadores. Não fez uma boa primeira fase. Mas cresceu no momento certo. Quando era preciso. Foi a melhor equipe daquele mês. E por isso foi campeã. Ou melhor, tricampeã mundial.

Telê poderia ter trocado Luisinho, Valdir Peres e Serginho por Edinho, Paulo Sérgio e Roberto Dinamite. Sim, poderia. Mas a Seleção não perdeu por conta de seus elos considerados mais vulneráveis. Perdeu porque faz parte do jogo. Nem sempre ganha o melhor. Por isso, o futebol é tão apaixonante. Se bem que naquele 5 de julho de 1982, os italianos foram sim melhor do que o Brasil.

Quer entender um pouco mais das razões que levaram o Brasil a não ganhar a Copa de 1982? Leia Sarriá 1982, o que faltou ao futebol arte? Parceria de Gustavo Roman e Renato Zanata, o livro analisa taticamente as partidas desde 1980. E mostra que alguns equívocos eram recorrentes. Vale muito a leitura. Disponível nas melhores livrarias e na internet.

ESCREVEU GUSTAVO ROMAN

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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