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Blog do Mauro Beting

Zé Roberto é gigante

Mauro Beting

27/11/2017 13h48

 

O Zé chegou aos 40 anos no Palmeiras. Para ele mesmo dizer que é o grande amor da carreira brilhante. De 1994 a 2017. Lateral, ala, volante e meia de clubes multicampeões e da maior Seleção. E também da Portuguesa onde começou e ele ajudou a levar à sua maior decisão na história, em 1996. Por minutos não deu o título brasileiro. Por mais 21 anos desde então ele daria muito mais.

Zé Roberto não precisava dizer que a torcida do Palmeiras é a mais impressionante que conheceu. Ele não precisava dizer que o Palmeiras é grande. Reafirmar que é gigante. O Zé não precisava fazer média. Por estar muito acima dela na vida exemplar. Ele sempre jogou pela bola, não pela boca. No modo mudo, pelo mundo, ele disse mais e com mais garra do que a geral que grita e bate no peito mais do que bate bola.

Mas agora precisa ouvir que ele é um animal como o Edmundo que citou na primeira preleção daquele Palmeiras reconstruído no começo de 2015. Temporada que terminaria com o Zé levantando a Copa do Brasil com a mesma dignidade, qualidade, superação e humildade com que levantara o moral da tropa palestrina no começo de tudo que ele foi para o Palmeiras.

O Zé mandou cada companheiro bater no peito e falar que era animal. E foi esse peito que, em 13 de outubro de 2016, fez uma das maiores defesas da história do Palmeiras. Como o gol do Corinthians que Junqueira salvou sobre a linha, de bicicleta, em 1942. Como o gol de Robinho que o Zé salvou contra o Cruzeiro, em Araraquara.

Eram 17 minutos e 17 segundos do segundo tempo na Fonte Luminosa. O ex-palmeirense Robinho recebeu livre e encobriu Jailson. O gol estava livre, sem goleiro. Ele tocou rasteiro. Eu fechei os olhos. E não vi o que só esse garoto do Zé Roberto enxergou. Ele deu um carrinho de perna esquerda e tirou a bola que bateu ainda no pé direito e seguia rumo ao fundo da rede, não fosse o peito de coragem e amor dele raspar a bola e a desviar de vez, enquanto ele se enrolava entre a trave direita e a rede da meta.

Eu nunca vi nada igual em décadas de Palmeiras desde a bike do Junqueira da foto. Acho que nunca vi um cara igual a ele com os então 42 anos de vida. A Academia de Goleiros do Palmeiras tem mais um monstro. E um cara que não precisa usar os braços para defender. Apenas o coração.

Órgão transplantado nesse menino com muito peito e barriga zero. Palavra de um jornalista palmeirense que escreve aqui para quem tem o mesmo coração. Ainda que tenha outras cardiopatias. Uma delas foi cornetar o Zé por não ser em 2017 tudo que foi desde 1994. Mesmo vendo o ótimo velhinho correr os 90 minutos, e dividir bolas e multiplicar pulmões e paixões como um fenômeno que desmoraliza os números e índices.

Quando ele corre para evitar um cruzamento, quando aquieta o jogo e acalma a bola pela técnica e experiência, tudo na muda, sem precisar bater no peito ou no rival ou gritar para o Brasil ouvir, a gente aprende mais um pouco que não precisa pilhar ânimos. Precisa só ter a energia do Zé para passar 23 anos correndo atrás e pra frente como se tivesse 23 anos.

Ele não foi no último ano tudo que é. Mas só de estar sempre presente, de ser o primeiro a chegar e o último a sair nos treinos, ele fazia os palmeirenses ganharem fôlego extra quando o colega extraclasse se esfalfava atrás dos rivais que podiam ser seus filhos.

Zé Roberto não joga apenas do lado de campo. E, se preciso, também no meio. Zé faz cada um jogar mais lá dentro. Não precisa dar porrada, pirada, pancada e palermada. Apenas ser Parmera como ele virou. Ser profissional com espírito amador. Jogar e se jogar como se fosse a criança que ele continua sendo. Fazendo ainda mais velhos como eu se sentirem mais jovens. Mais confiantes.

Para ganhar no futebol, precisamos correr atrás. Atrás do Zé Roberto.

Mas tem hora que precisa bater no peito como quem bate bola. E a hora de precisar bater palmas para quem bate o coração por nós é agora, na despedida dele.

Se eu tivesse autocrítica, não sairia da cama. Mas eu tive o mínimo para nem tentar delirar ser goleiro do Palmeiras. Não sou jogador frustrado. Sou palmeirense. Logo, qualquer coisa. Menos frustrado.

Mas eu daria um tempo de vida só pra um minuto dela bater um lateral pelo Palmeiras. Pela nossa paixão incondicional desde o berço. Nasci amando meus pais e nosso Palmeiras e meus filhos que não tinham nascido. Fácil dar um tempo de nossa vida para um minuto suar e ser ainda mais Palmeiras.

Difícil seria jogar pelo Palmeiras aos 40 anos. Impossível seria salvar aquele gol na Fonte (da juventude) Luminosa com o peito e a raça do Zé Roberto. Maravilhoso é saber que é nosso quem depois de 20 anos de carreira brilhante chegou ao Palestra como se fosse não a casa dele. Mas o berço. Onde tudo começou naquela correria quieta dele.

Muitos tentaram aposentá-lo. Zé Roberto os desapontou. Soube sair da cena que nunca roubou com o mesmo respeito devotado ao jogo e aos jogadores. Aos times e aos rivais. Aos que o julgaram e quiseram subjugar, ele apenas jogou. Na muda matou preconceitos. Na bola respondeu os desbocados.

O Zé para hoje. Mas para gente como ele, o aplauso não para. Um cara que jogou pra gente aos 40 como se nós e ele fôssemos crianças. Um vovô-garoto que nos tratou como netos e não tretou com ninguém.

O Zé pendura hoje as chuteiras que perdurou sem perder força e luz. Poderia pendurar como dois outros ex-Portuguesa de história no Palmeiras. Há 50 anos, quando deixou a camisa sete perpetuada como melhor ponta do clube, Julinho Botelho deixou o gramado do Palestra descalço. Com a chuteira desamarrada por Djalma Santos nos últimos chutes contra o Náutico. Deu a volta olímpica assim. Uma chuteira jogou pra torcida. A outra está com a querida família Botelho.

Julinho, outro exemplo de saber e suor, graça e raça, humildade e respeito, deixou o futebol para entrar na história descalço.

Torço para que Zé tenha hoje as chuteiras da humildade desamarradas no gramado do Allianz Parque. Para que ele possa pisar pela última vez como atleta. Para que a gente sinta pela última vez quem honrou cada passo e cada palmo do campo do Palmeiras.

O Zé. Um palmeirense depois dos 40 anos. Como se fosse do berço.

Pra sempre, Zé.

Obrigado por tudo.

Quando eu crescer, quero ser um jovem como você.

 

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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