Não é segredo. É mistério a receita merengue.
KIEV – O último bicampeão europeu antes do Real Madrid tricampeão de Cristiano foi o Milan do trio holandês comandado por Sacchi em 1989-90. Uma grande mais inventiva e melhor que a atual tricampeão – mas sem um jogador melhor que Cristiano na frente (por mais genial que fosse Van Basten, ou eficientes como Gullit e Rijkaard, e soberanos como Baresi e Maldini atrás).
O último "quase" tricampeão foi o Barcelona de Guardiola, que parou no ônibus estacionado por Mourinho e sua Inter na semifinal vulcânica de 2010. Brilhante campeão em 2009 e 2011, o maior time que eu vi atuar, criativo e bonito de ver como o trabalho de Guardiola – mas menos vencedor na Europa que o atual Madrid maior do mundo (e que já tinha sido campeão em 2014, semifinalista em 2015, antes de engatar os três títulos atuais do clube que nos últimos 20 anos ganhou mais Champions que a Liga Espanhola).
Os três títulos merengues de 1998, 2000 e 2002 tiveram grandes jogadores mais do que grandes equipes. Heynckes que foi campeão e saiu na primeira conquista por problemas com o elenco. 2000 e 2002 superados sem grandes sustos e contra rivais na final menos experientes, já na era moderna da Champions. Quando marcas famosas passaram a atuar na competição no lugar de campeões de outros países menos dotados.
Não se pode tirar mérito de campeão algum. Todo vencedor merece ser respeitado. Mas também compreendido o peso atômico de cada conquista. E de cada época. E, em todas elas, acredite, sempre não foi fácil. Nunca é. Pode não ser brilhante. Mas histórico sempre será. Ainda que nem todos os campeões sejam memoráveis. Ou, como disse Jurgen Klopp, em algum tempo ninguém lembrará que o Liverpool estava um tanto melhor em Kiev até perder seu craque em meia hora, o goleiro entregar o primeiro gol em falhas antAlógica, o Real Madrid marcar mais um gol antológico na sequência, e a conta ser fechada com outro frangaço inglês.
AS 13 ORELHUDAS
No primeiro dos 13 títulos merengues, na primeira Copa dos Campeões, em 1956, o Real Madrid de Di Stéfano e Gento passou pelo Servette suíço (de bom nível à época), Partizan Belgrado (ainda melhor), Milan e o ótimo Stade de Reims francês da fera Kopa (futuro craque do próprio Madrid), em decisão em que perdia por 2 a 0 com 10 minutos, e virou para 4 a 3.
No bicampeonato de 1957, o Madrid melhorado com Kopa passou com dificuldades pelo ótimo Rapid Viena no terceiro jogo, venceu o bom Olympique Nice, eliminou os Busby Babes do Manchester United, e foi campeão contra a forte Fiorentina de Julinho Botelho em partida decidida no final.
No tri de 1958, o Madrid bateu sem dificuldade o Antwerp belga, humilhou o Sevilla, fez bonito contra o Vasas húngaro, e virou na prorrogação contra o Milan de Schiaffino, Liedholm e Maldini (pai). Mantendo Di Stéfano, Gento e Kopa como estrelas da companhia.
No tetra de 1959 chegou Puskas. Não precisava mais ninguém. Besiktas (médio) e Wiener austríaco (razoável) não foram difíceis. Mas só o genial húngaro para eliminar o Atlético de Madrid na duríssima semifinal. Na decisão novamente contra o Stade de Reims (reforçado pelos titulares franceses na Copa-58 Fontaine, Piantoni e Vincent), mesmo que sem o lesionado Puskas, deu Madrid. Pra variar.
O penta veio em 1960 com o melhor Madrid possível. Jeunesse D'Esch de Luxemburgo foi aquela baba. Olympique Nice era bom. Barcelona era excelente e ainda assim foi derrotado duas vezes. Na final, 7 x 3 no forte Eintracht Frankfurt. 4 de Puskas, 3 de Di Stéfano.
Dois vices em 1962 e 1964 mostraram a força merengue que daria no hexa, em 1966, com um time de espanhóis. Ainda com o eterno Gento na esquerda, e o ótimo Amancio do outro lado. Kilmarnock escocês não era grande coisa. O Anderlecht era melhor. A Internazionale era muito forte, buscava o tri europeu, e foi eliminada. O competitivo Partizan Belgrado levou a virada no final.
Foram 32 anos para o hepta. Já como Champions. E o maior campeão em preto e branco também se tornaria o maior vencedor em HD. Em 2018 superando as seis conquistas até 1966 com sete canecos de Champions.
Em 1998, Porto era o mais complicado na fase de grupos. Não foi. Acabou lanterna. Olympiakos foi superado pelo melhor time da história do Rosenborg, no melhor momento da Noruega – que venceu até o Brasil naquela Copa na França. O bom Bayer Leverkusen e o então campeão europeu Borussia Dortmund foram eliminados. Na final, a Juventus de Zidane e Del Pietro era favorita. Deu Madrid de Hierro, Roberto Carlos, Redondo, Seedorf e Raúl.
No octo em 2000, novamente Porto (bem melhor que o de 1998) e Olympiacos. Além do Molde. Só uma derrota e liderança no grupo. Na segunda fase, também com um grupo de quatro times, o Madrid terminou atrás do Bayern (vice europeu em 1999, campeão em 2001), e à frente do Dynamo Kiev no critério de desempate. O Rosemborg desta vez foi o último colocado.
Nas quartas, o Madrid passou pelo então campeão Manchester United, superou o vice Bayern, até vencer com categoria o Valencia de Mendieta. Com Casillas, Roberto Carlos, Redondo, Raúl, Anelka e reservas do nível de Sávio.
No enea europeu em 2002, a excelente Roma foi a segunda colocada no grupo liderado pelo Madrid, que ainda tinha
Lokomotiv Moscou e um enfraquecido Sporting. Na segunda fase de grupos, nenhuma derrota contra Panathinaikos, Sparta Praga e Porto. Nenhuma grande pedreira.
Só na semifinal veio bucha, quando o Bayern começava a deixar de ser a Bestia Negra, e perdeu a chance de ser bicampeão. Na decisão contra o ajeitado Bayer Leverkusen, o golaço de Zidane no cruzamento de Roberto Carlos selou mais uma conquista de Redondo, Figo e Raúl.
A décima chegaria em 2014, com o formato atual da Champions. Galatasaray foi o segundo do grupo que tinha Juventus e Copenhague. Schalke 04 foi atropelado, Borussia Dortmund fez sofrer, Guardiola levou 5 a 0 no agregado pelo Bayern, e Sérgio Ramos empatou na última bola nos 90 minutos contra o Atlético de Madrid. Casillas ergueria o troféu conquistado no 4 a 1 na prorrogação por Cristiano, Marcelo, Bale, Benzema, Di Maria, Modric. Cinco dos 14 que atuaram em 2014 já saíram do Bernabéu. Os demais já estavam no clube multicampeão. Base campeã não se muda. Nem precisa se reforçar.
A undécima veio em 2016. Superando PSG, Shakthar Donetsk e Malmo. Grupo complicado logo de cara. Nas oitavas, Zidane estreou vencendo duas vezes uma boa Roma. Remontando um 0 x 2 pro Wolfsburg com Cristiano incendiando o espírito no Bernabéu. Nas semifinais o Manchester City foi eliminado. Na primeira partida, a última vez que o Madrid não fez pelo menos um gol na Champions. Na final, de novo o Atlético. De novo dramático. Deu Madrid só nos pênaltis. Gol de Cristiano. Festa da BBC e de um time que só teve Casemiro de volta. E ainda perdeu Pepe. Mas solidificou a "inegociável" BBC de Zizou.
O dodeca veio em 2017. Desta vez como segundo do grupo com Borussia Dortmund, Legia Varsóvia e Sporting. Oitavas brilhante contra o ótimo Napoli. Dois jogos malucos contra um grande Bayern, bela eliminação do forte Atlético mais uma vez, e goleada sobre a Juventus que parecia favorita. Sem a BBC na grande final. Com Isco amadurecido, Asensio pedindo passagem, Varane firme na zaga, e um time cada vez mais frio e competitivo.
O trideca veio com mais tropeções e dúvidas em 2018. Segundo de grupo difícil com Tottenham, Borussia Dortmund e Apoel. Oitavas contra PSG que era favorito e perdeu as duas. Quartas contra Juventus que quase devolveu a paulada de Turim. Mais sofrimento em casa contra o Bayern que foi de novo vencido em Munique. Decisão contra o Liverpool de melhor ataque da história. Mas sem Salah no nos 60 minutos finais, e com Karius desde o início… Zizou repetindo o time da final de 2017 em Cardiff. E só escalando a BBC pra dar volta olímpica histórica.
HISTÓRICO
Pode não ser o melhor futebol do Madrid. Pode não ser o melhor elenco e nem o melhor time. Mas são três conquistas seguidas. E praticamente sem reforços e mudanças desde 2014. Apenas subindo talentos sem sucumbir medalhões.
Camisa impressionante na Champions. Desde 1998 ganhou mais europeus que nacionais. Sabidamente não é fácil ser o melhor em casa e fora dela. Ganhar o país e o continente na mesma temporada é tarefa duríssima. Nas 13 conquistas, apenas em três o Madrid foi dono dos dois trofeus. Outros multicampeões também tiveram questões para resolver em casa: o Ajax de Cruyff, tricampeão (1971 a 1973), ganhou duas ligas nacionais durante a hegemonia europeia; o Bayern tri europeu (1974 a 1976) faturou só um alemão no período (e ainda amargou um décimo lugar).
Natural que o Madrid não tenha ganhado tantos nacionais. Anormal é conquistar tantos títulos. Muitas vezes com mais craques que com grandes equipes coletivamente.
Difícil algumas vezes explicar o que acontece. Tanto quanto é complicado não se reconhecer o mérito do que tem feito Zidane em dois anos e meio como treinador no Bernabéu. Como disse Mcmanaman: se fosse Guardiola com esses números, teria gente no telhado aplaudindo de pé Zizou.
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