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Blog do Mauro Beting

Em 13 de dezembro de 1981... Flamengo 3 x 0 Liverpool

Mauro Beting

13/12/2019 13h29

O texto do livro 1981, escrito por mim e André Rocha

A maior conquista internacional do Flamengo quase não aconteceu por mera questão burocrática: o clube pensou em desistir de jogar em Tóquio. Reclamava à imprensa o vice-presidente Adoniran Araújo: "O empresário inglês que organiza o jogo insiste em fornecer um tipo de passagem que nos obriga a chegar em Tóquio na véspera da partida. Além disso, não nos permite desdobrá-la. Muitos jogadores estão comprando passagens para levar suas mulheres e depois, já de férias, passarem pela Europa ou qualquer outro lugar."

Mas tudo foi ajeitado. O planejamento para a decisão do torneio intercontinental teve o cuidado condizente com a importância da disputa: viagem na segunda-feira até Los Angeles, permanência nos Estados Unidos até quinta-feira com fuso horário de cinco horas para diminuir o efeito das doze horas de diferença no Japão.

A delegação não contou com Adílio, que casou naquela segunda-feira e só partiu na quarta. Na quinta-feira se juntou ao grupo e rumou para Tóquio. A pedido dos jogadores, Anselmo seguiu com a equipe mesmo suspenso. Assim como as esposas e familiares dos atletas.

A ideia era relaxar um grupo desgastado com tantas decisões. Para o time que se acostumou a entrar em campo praticamente de três em três dias, a preparação de uma semana podia ser mais tranquila. Na quarta-feira, o grupo passeou pela Disneylandia.

Era impossível não pensar no Liverpool, campeão da Liga dos Campeões. Como de praxe, a equipe sul-americana deu maior importância ao confronto. Os Reds foram estudados, ainda que com informações desencontradas: Adílio disse que só temia no Liverpool o Ardiles, jogador do Tottenham…

Carpegiani viu jogos contra Real Madrid e Nottingham Forest e teve o auxílio do observador Jairo dos Santos, que entregou vasto material ao treinador rubro-negro. Ele destacou Clemence, Thompson, Watson, Neil e Dalglish. Mas no detalhamento tático se confundiu:

– Eles jogam num 4-4-2 com falsos pontas. O Souness, que atua pelo lado esquerdo, é o cérebro do time. Atacaremos sempre em duplas e, no meio-campo, vamos revezar-nos para tentar confundir o tipo de marcação deles, que é individual.

O escocês Souness, no Liverpool e na seleção, era um típico meia central britânico, combatendo e atacando. E o "four four two" nunca se baseou na marcação homem a homem, que só persistia na Itália.

Zico garante que os relatórios de Jairo dos Santos deram maior segurança ao time. "Sabíamos muita coisa deles. E eles, pelo visto, não tinham a menor ideia de como jogávamos. Melhor para nós". Júnior lembrava a vitória por 1 a 0 sobre a Inglaterra em Wembley, gol de Zico, em maio: "São jogadores experientes e com vários jogos pela seleção inglesa. Tanto o goleiro Ray Clemence quanto o lateral Neil e o zagueiro Watson mostraram qualidades naquela partida."

Carpegiani também estudara bastante: "Quando não sei como joga o adversário, fico angustiado. Não troco meu time em função do rival, mas, algumas vezes, faço minha equipe jogar para explorar as deficiências deles. Foi o que fizemos no Japão". Júnior sentia a equipe mais segura para o desafio:

– O importante é a experiência que adquirimos nos jogos da Libertadores. O Flamengo se limitara apenas a jogos no Brasil e, agora, estamos mais tarimbados para uma decisão da importância de um título mundial.

Raul pedia atenção de Leandro e Júnior para evitar os cruzamentos sobre a área, os famosos "chuveirinhos", típicos do futebol britânico da época. O goleiro sofria com dores no nervo ciático e Andrade sentia a virilha. O estado atlético de Adílio também preocupava. Sem contar a previsão de dez graus na capital japonesa no domingo.

No Brasil, a expectativa era gigantesca. Vários bares do Rio de Janeiro se organizaram para receber os torcedores que assistiriam à partida que se iniciaria à meia-noite, horário de Brasília. O domingo começaria atípico na Cidade Maravilhosa. E se tornaria histórico e inesquecível em pouco tempo.

Flamengo 3 x 0 liverpool – Estádio Nacional de Tóquio, 13 de dezembro

Como previsto, Tóquio a dez graus. Um sol de inverno maravilhoso no estádio Nacional para a decisão do Mundial Interclubes. A segunda Copa Toyota, bancada pela montadora japonesa dede 1980, acabando com as rusgas, brigas, baixarias e desistências nas disputas entre sul-americanos e europeus.

Dez. A camisa do craque do Mundial, da Libertadores, do Estadual do Rio, da Gávea, de Quintino. O rei Arthur arrancou da pedra as armas para vencer os ingleses do Liverpool do outro lado do mundo que ficou rubro-negro e verde-amarelo no Japão. Como o estádio também rápido se bandeou para os acordes da charanga do Flamengo, mais animada. E com 11 motivos para tanto.

Raul na meta dando os toques e defesas de experiência. Pelas laterais, quase pontas, Leandro e Júnior, o fino da bola rubro-negra. Para Pelé, o lateral-esquerdo era o melhor jogador no Brasil em 1981. "Ofensivamente se equivale a Nilton Santos, embora seja menos eficiente na marcação". Mas o Capacete chegava baleado a Tóquio. Ele conta:

– Cheguei com o joelho esquerdo bem prejudicado por uma tendinite. Levei uma pancada do Amauri, do Vasco, mas já vinha com problemas. Na época começava a se falar de acupuntura. Um amigo nosso arrumou um cara, mas que só podia à meia-noite. Ele fez o trabalho, enfiou uma agulha grande no meu joelho e melhorou bastante. Disse que eu podia jogar, deixando claro que no final eu sentiria o desgaste. Comecei o jogo sem aquela sensação incômoda de antes e, como ele disse, fui bem até os 25 do segundo tempo. Com o jogo decidido, ficou mais fácil administrar.

Na zaga, a velocidade de Marinho e a categoria de veterano do jovem Mozer. Na cabeça da área, protegendo mais à esquerda o avanço de Júnior, o volante Andrade, desarmando, e armando com o meia Adílio, que se mexia por todo o campo, ainda que com funções mais defensivas dentro da dinâmica natural da equipe. À frente, o toque de classe e de felicidade tática: Tita começando o jogo pela meia direita, Lico aberto pela esquerda, Zico fazendo tudo mais centralizado, e, do meio para a esquerda, mais à frente, Nunes. O João Danado das decisões.

Os cavaleiros da bola redondíssima do rei Arthur entraram em campo com as mangas compridas pelo frio menor que o esperado. O Liverpool, mais acostumado à temperatura, menos desgastado por estar no meio da temporada. Desde maio preparado para enfrentar o campeão sul-americano, chegou ao Japão um dia antes que a delegação rubro-negra, já exausta pela maratona de decisões. Desde outubro, quando vencera no dia dois o Deportivo, em Cali, o Flamengo atuara 20 vezes. Zico estivera em 19 jogos, e mais um pela Seleção. Era o exemplo e líder dos que atravessaram o planeta para conquistá-lo.

Para o 21o. jogo em 79 dias (a partida 78 em 1981), o Flamengo precisava manter o pique dos últimos sete jogos (seis deles valendo título, seis decisões vencidas na bola e no braço, apesar do bagaço). Era preciso psicologicamente esquecer o estresse e o desgaste. Era proibido falar "cansaço". A não ser a fadiga de dar uma volta olímpica no Uruguai, em 23 de novembro, e mais uma no Maracanã, em seis de dezembro. Aquecendo as turbinas para a terceira festa em 21 dias. "Um time que está ganhando tudo consegue jogar até mais que 90 minutos", admitia o preparador físico José Roberto Francalacci, fundamental para a conquista. Andrade vai além:

– A gente tinha prazer em jogar futebol. E como era só descansar e jogar, nós adorávamos [risos]. O Francallaci dava o famoso pijama training, a gente entrava em campo e rendia porque ficava com a bola o tempo todo e cansava menos. E também tínhamos a motivação das vitórias e dos títulos.

Completa Júnior: "Não tinha cansaço. Quando você joga e ganha, quer jogar todo dia. Tomar porrada todo dia é que cansa para caramba! [risos] Esse pique ganhava jogos". Quase todo o time vermelho do Liverpool estava de mangas curtas. E as calças, pelo visto em 45 minutos, ainda mais. O rosto certamente rubro pelo chocolate tomado na primeira etapa, desde o primeiro toque na bola, autorizado pelo árbitro mexicano Rubio Vásquez, ao meio-dia de Tóquio, dia 13. Zero hora daquele domingo no Rio e no Brasil sem horário de verão. Sem hora para ver pela TV Globo o artilheiro das decisões Nunes dar a saída para o gol à direita das cabines de TV como se o mundo estivesse acabando, e não apenas começando. Zico recebeu e partiu direto para o gol. A tabelinha entre ambos era lance programado pelo time de Carpegiani.

Era preciso marcar terreno e apresentar a carta de intenções, não apenas no primeiro lance. No primeiro minuto, de costas para o ídolo do Liverpool, o meia-atacante escocês Kenny Dalglish, Zico deu um balãozinho no camisa sete dos Reds. A senha estava dada. A sanha pelo gol e pelo espetáculo começava. Mais um minuto e Zico limpava três adversários no meio-campo e iniciava um contragolpe. Procurava o jogo com Tita aberto pela direita. Tita muito mais aquele ponta do Brasileirão de 1980 que o meia do 4-2-3-1 que se ajustara nos últimos jogos. O melhor modo de explorar a fragilidade e a lentidão do lateral-esquerdo irlandês Lawrenson. Hoje um consagrado comentarista na TV inglesa. Então, o desastrado substituto do predestinado lateral Alan Kennedy.

A banda vermelha no Japão

Lawrence chegara em agosto ao Liverpool e era aposta do mítico treinador e manager Bob Paisley. Ex-zagueiro e preparador físico do clube, de 1974 a 1983 dirigiu os Reds. Ganhou seis títulos nacionais, três Copas da Liga inglesa, uma Copa da Uefa, uma Supercopa europeia, e três Ligas dos Campeões (o bicampeonato de 1977 e 1978, e o título de 1981).

Fazia o futebol simples. Direto como seu humor. Definia que o Liverpool era um time compacto. Que não se perdia e, por tabela, ganhava. "Quando as coisas não vão bem, quando parecemos perdidos na neblina, o melhor a fazer é manter o grupo unido, próximo um do outro. Desse modo a gente não fica perdido. É o nosso segredo".

Mas o sol do Japão e a luz do Flamengo devastaram rapidamente as brumas e deixaram os Paisley Boys órfãos. A começar pelo ausente lateral Kennedy, que estava na reserva. O gol que definiu o título europeu, em 27 de maio, no Parque dos Príncipes, em Paris, foi todo dele. Aos 37, Kennedy bateu um lateral, o zagueiro madridista Sabido se atrapalhou com a bola, Kennedy avançou pela área e bateu forte. Como bateram e apanharam jogadores e a bola nos 90 minutos daquela modorrenta decisão entre Liverpool e Real Madrid. Um jogo amarrado, chato, de pouca técnica, decidido na infelicidade madridista. E num raro ataque de Alan Kennedy.

A festa que se seguiu no estádio de Paris, ao som da já clássica "You'll Never Walk Alone", levou o Liverpool a mais uma decisão intercontinental. Ou, no caso, à primeira de fato disputada. Em 1977, o clube se recusou a cruzar o Atlântico para enfrentar o Boca Juniors. Desde o final dos anos 60, incidentes lamentáveis (principalmente em jogos contra clubes argentinos) desmotivaram os nem sempre muito animados europeus na disputa do que para eles era um torneio intercontinental, inferior à Liga dos Campeões. Para os sul-americanos, sempre foi um autêntico Mundial.

O Boca, campeão da Libertadores de 1977, conquistou o mundo vencendo o vice europeu (Borussia Mönchengladbach). Em 1978, a briga foi ainda maior, e o Liverpool, mesmo bi europeu, não participou. Nem o vice do continente. Em 1978, não houve disputa intercontinental de clubes. Retomada apenas em 1979 – e novamente sem o campeão da Europa, o inglês Nottingham Forrest, substituído pelo vice, o sueco Malmö. Só quando a Toyota e os japoneses resolveram bancar a disputa em jogo único, no Japão, em 1980, as pazes foram feitas. Enfim o Liverpool foi disputar um Mundial.

Oito titulares da final da Liga da Europa se repetiram no Japão. Fora Alan Kennedy, mais duas trocas: na meta o titular em Tóquio foi o sul-africano Grobbelaar (que atuava pelo Zimbábue), bom goleiro que obrigara o ídolo Ray Clemence a trocar 11 anos de Liverpool pelo Tottenham. No ataque, David Johnson, o atacante mais à esquerda em Paris, no 4-3-3 montado para vencer o Real Madrid, foi substituído no Japão por Craig Johnston, mais um meia-atacante que um homem de frente. Australiano nascido na África do Sul, ele teve como maior contribuição ao futebol o design e o desenvolvimento da chuteira Predator da Adidas, depois de ele ter pendurado as próprias.

O 4-3-3 que variava para um 4-4-2 armado por Paisley no Japão deixava clara a intenção do manager Paisley: esperar o Flamengo e especular no contragolpe. Confiando na boa fase de Grobbellar, no apoio do bom lateral-direito da Seleção Inglesa Neal, na solidez pelo alto dos entrosados zagueiros Thompson e Hansen, e, vá lá, na capacidade de marcação de Lawrenson.

No meio-campo, o melhor do Liverpool. "Eles tinham um ótimo time. Principalmente no meio", diz Zico. McDermott, Souness (escocês) e Ray Kennedy faziam de tudo um pouco. E muito bem. Marcavam como se fossem volantes, e sabiam organizar como meio-campistas de área a área. Difícil precisar a posição real deles. Movimentavam-se e finalizavam com qualidade. Dando suporte ao ótimo Dalglish, e aos esforçados homens de frente Lee e Johnston. A movimentação da turma de frente fazia o 4-3-3 de Paris virar um 4-4-2 em Tóquio. Lee fechava à esquerda, com Mc Dermott mais aberto à direita para travar Júnior. Eventualmente, Lee caía pela direita, com Dalglish ou Johnson abrindo pela esquerda.

Na Inglaterra, o Liverpool, de 1975 (quando foi vice do Derby County) até 1984, só não foi campeão em 1978 e 1981. E só nesse ano não foi vice. Era um time competitivo. Muito bom. Dele falava Pelé: "O Liverpool está em ótima fase, marca muito bem, tem condicionamento físico melhor que o do Cobreloa e sempre dificulta os adversários." Um time objetivo como a máxima de Bob Paisley: "Se você está na grande área rival e não sabe o que fazer com a bola, coloque-a na rede e, depois, a gente discute as opções".

Mas não havia como argumentar contra o Flamengo daqueles anos.

Saída pela direita

O jogo era com Tita. Pela direita. Bem aberto para cima e às costas de Lawrenson. Aproveitando-se da defesa adiantada, em linha, e pesada demais para a velocidade e talento rubro-negro. Não era só a zaga que tinha dificuldade para marcar. O meio-campo também se arrastava e chegava à meta carioca apenas de longe. O bigodudo Souness arriscou de canhota, ainda mais longe da meta de Raul (aquecido pela calça comprida preta). O escocês aproveitou para testar a arbitragem no minuto seguinte, aos 4, quando levantou Lico com uma falta para cartão que passou batido.

Nunes não queria passar em branco. A partir do comando de ataque, abrindo mais à esquerda, começava a fazer seu jogo. Até pela direita, para cima de Lawrenson, armou belo lance. Adílio chegava mais pelo setor, e tentou o seu gol, de canhota, aos cinco. O Flamengo jogava mais. Procurava mais o gol. Mexia-se mais. E voltava todo sem a bola. Compactava e não deixava espaço para o lento Liverpool. "Sabíamos jogar agrupados", explica Andrade:

– Com a bola, nossos gols saíam naturalmente. O problema é que quando atuávamos mais fechados, o Nunes, às vezes, não conseguia manter a bola na frente e o resto do time demorava a se aproximar. Mas, no Japão, estávamos muito bem posicionados e resolvemos tudo no contra-ataque, com bolas longas para o Nunes.

Carpegiani comenta a compactação defensiva:

– Eu era um treinador jovem, ainda garoto, sem experiência. Mas desde então treinava muito duas situações. Uma era simples: o overlapping. Tínhamos muitas jogadas pelos flancos. Desde quando Chiquinho e Baroninho eram os pontas. Sempre gostei de ponteiros. Mas, naquele Flamengo, era melhor atuar com Tita e Lico. Eles faziam múltiplas funções. A outra situação que eu trabalhava muito era a compactação. É muito difícil você acertar isso numa equipe. Sem a bola, todos atrás dela. Não é fácil recompor rapidamente. Trabalhamos muito nisso. Não admito que os zagueiros rivais tenham liberdade para sair jogando. Insistia muito com o Nunes. Até que acertamos e dávamos pouco espaço para os adversários saírem jogando. O Nunes forçava os zagueiros deles a lateralizarem o jogo. Desse modo, fazíamos o pressing, a pressão na saída deles. Deu muito certo.

O Flamengo marcava atentamente com todos os dez de linha. Uma vez recuperada a bola, era a equipe que sabia o que fazer com ela. Time mais veloz, com mais opções, mais vivo em campo. Ainda que a bola começasse a não chegar a Nunes, ainda que Zico não aproveitasse o espaço criado pelo goleador. Aos 11 minutos, parecia que Nunes teria de recuar um pouco mais. Os passes começavam a sair errados. Até Zico receber no grande círculo e girar rápido para o camisa nove. O zagueiro Thompson interceptou o lance, além da intermediária. Desta vez, não teve jogo. Mas, um minuto e 50 segundos depois, a história seria outra. Antológica. Relembrando aquele lance. E, por que não, o início da epopeia, no primeiro gol de Nunes contra o Atlético Mineiro, na decisão de 1980, no Rio.

12min25s. Nunes. 1 a 0

Quantos gols os geraldinos do Maracanã mais sentiram que viram, mais ouviram que enxergaram, mais vibraram que entenderam no fosso com fundo do maior do mundo? Quantos gols do Flamengo teve gente pelo Brasil que só ouviu pelo rádio, só soube depois pela TV, só sacou quando viu gente que não se conta berrando pelas ruas, pelas casas, pelos bares?

Os geraldinos que não estiveram entre os muitos que foram ao Japão ou que eram Flamengo no Japão, em dezembro de 1981, puderam ver ao vivo via satélite o que quase nunca conseguiam ver no maior estádio do mundo. Um belo gol em cores. O Flamengo como o maior do mundo do outro lado do planeta. Começando com o passe que, desta vez, Zico dominou e lançou às costas descobertas de Thompson. O Brasil ligado como nunca numa madrugada de domingo pela TV recebeu a bola junto com Nunes, pela esquerda. Ele tocou de calcanhar para Mozer achar Zico, e o craque encontrar o camisa nove. Thompson subiu e não achou a bola limpa para Nunes avançar e, na saída de Grobbelaar, dar um toque de pé direito, cruzado, para morrer na meta da trave branca com a sombra preta retangular projetada no gramado. O uniforme todo vermelho do Liverpool completava a aquarela rubro-negra.

"Decisão é comigo", dizia Nunes, ainda no intervalo. Já havia dito para sempre o rubro-negro, na final do primeiro título nacional, em 1980. Voltaria a dizer meses depois, em Porto Alegre, vencendo o Grêmio e o Brasileirão de 1982. Tanto eram com Nunes os lances de gol que, sem olhar, aquele time entrosado sempre buscava o artilheiro e desafogo.

Não era só o Flamengo e as bolas nas decisões que procuravam o João Danado do Nunes. Aos 17, ele buscou um lindo lance pela direita. Levando dois do Liverpool e, de vez, a torcida japonesa que ainda estivesse neutra. O jogo ainda não estava ganho. Mas o estádio, sim. Até as placas de publicidade, com anúncios da companhia aérea Varig e dos violões Di Giorgio, eram mais brasileiras que ingleses. Diz Júnior: "Ainda em Los Angeles nos reunimos para planejar o melhor jeito de ganhar a torcida japonesa. Chegamos à conclusão rapidamente: era só jogar bem como fazíamos".

O Liverpool resolvera atacar, explorando as costas de Júnior, encostando Dalglish (quase um centroavante) no atacante pela direita Lee. Mas além da muralha visível de Andrade, também o garoto Mozer limpava a área com notável velocidade, qualidade e tarimba para tão pouca idade. Ao lado do eficiente Marinho, em boa fase, faziam uma zaga muito rápida.

Mas o time abusava. Aos 20, Leandro desarmou um ataque dentro da pequena área e saiu jogando, sem o chutão que 101% dos zagueiros dariam naquela situação. A bola chegou a Júnior, que também abusou, e saiu driblando com a bola na entrada da área, logo perdida, porém desperdiçada pelo time inglês. Soberba? Arrogância?

Talvez autosuficiência além do recomendado. Mas se havia um time que sabia e podia sair jogando em qualquer lugar era esse Flamengo que entrava jogando em qualquer área. No lance seguinte, tabelinha entre Adílio e Zico provava a tese. Mostrando que só as equipes de exceção conseguem reunir uma seleção que pode tramar lances pelo meio, sem embolar o jogo. O caminho não é só pelas extremas. Tem como encantar sem encanar o time. Tem como se livrar dos rivais abrindo boqueirões no meio-campo e torcedores boquiabertos nas arquibancadas.

Mas era preciso fechar o lado esquerdo. Júnior estava no sacrifício. O joelho esquerdo doía desde a trilogia contra o Vasco. Uma pancada feia de McDermott, aos 23, piorou o quadro. Logo depois, Neal avançou pelo setor e cruzou para Johnston dominar entre Leandro, Marinho, Lico e Mozer e mandar à direita de Raul. Era o primeiro lance perigoso dos vermelhos ingleses. Sinal amarelo no Flamengo, que recuara demais, e aceitava a pressão inglesa. Os quatro do Liverpool (não aqueles dos anos 60…) adiantavam a linha de zaga quase no meio-campo – deixaram Zico impedido quase no grande círculo. Havia como explorar o contra-ataque. Mas até o Galinho prendia demais a bola.

O Liverpool começava a mandar em campo. Não era time inglês de anedota, daqueles que faziam os gramados britânicos perfeitos porque a bola por eles não passavam. Não era um time de quermesse, de só jogar com balões. Botava a bola no chão. Só explorava os lançamentos às costas de Leandro e Júnior. Para levantar a bola na área rubro-negra, um dos poucos problemas daquela equipe. Explica Andrade: "O Carpegiani escalou o Marinho, e não o Figueiredo, porque ele era mais alto. Melhor no jogo aéreo".

A consciência tática rubro-negra era louvável. Nunes, aos 29, fez a cobertura de Júnior e salvou um perigoso contragolpe inglês. Lico, como sempre, corria por todos. Zico e Adílio tentavam tocar a bola e tirar a velocidade da partida. Especulavam na forte bola parada rubro-negra. Também nos escanteios. Aos 31, Tita bateu da direita uma bola no bico da grande área, na esquerda, para Júnior emendar um sem-pulo espetacular de direita, que passou perto da trave inglesa. O estádio aplaudiu. O Flamengo voltara ao ataque e ao jogo. Júnior retornou para a sua posição mancando, no sacrifício. Na raça.

Dois minutos depois, Zico lançou Tita que entrou em diagonal e ganhou de presente uma porrada de McDermott no tornozelo. Falta para cartão amarelo não mostrado. Falta desnecessária, até porque Tita já havia devolvido a bola a Zico. Não havia justificativa. Os ingleses sabiam que brasileiros batiam faltas como raros. McDermott, mais ainda. Ele e Neal fizeram parte do English Team vencido pelo Brasil de Telê, em maio daquele ano, em Wembley. A primeira derrota da Inglaterra em casa para um sul-americano. Um golaço de Zico.

A falta era distante para o Galinho. Mas o mundo estava cada vez mais próximo da Gávea.

33min51s. Adílio. 2 a 0.

Zico ajeitou a bola na meia direita. O árbitro mexicano pediu para não bater antes do apito. Apenas quatro faziam a barreira inglesa. Grobbelaar deixava a visão livre. Mas o ângulo, também. Nunes fazia o quinto homem da barreira, na frente do goleiro. Era a mira do Galinho. Zico bateu forte. Para fazer o gol. Ou para a bola quicar na frente de Grobbelaar. O goleiro não conseguiu segurar o chute que explodiu no peito. A bola sobrou na esquerda do ataque. Lico e Adílio acreditaram no rebote. Thompson e Hansen formaram a tropa de choque inglesa. Lico chegou antes e bateu pro gol. Grobbelaar, desta vez, foi bem. Mas, no novo rebote, no bico da pequena área, Adílio esticou o pé direito. A bola bateu no corpo de Thompson e na rede lateral da meta do Liverpool. Lance confuso. Mas legal. Dois a zero.

Daqueles gols em que se pula antes da cobrança de falta. Afinal, era Zico em final. Mesmo que longe, algo ele poderia fazer. Pouco fez o Liverpool, porque na raça chegaram Lico e Adílio. Naquele lance que, na hora, quase ninguém consegue ver direito pela emoção e pela confusão, o gol foi validado. A bola nem precisou chegar ao fundo da rede. Adílio saiu para o abraço, e para os beijos mandados para a mulher Rose, presente no estádio.

O Liverpool sentiu o golpe. Aos 35, Zico e Tita fizeram lindo lance pela direita até o camisa sete isolar a bola. No estádio, o grito de "Meeeengooooo, Meeeengoooo" tomava a arquibancada. Nem o bom lance de McDermott pela direita, que exigiu boa defesa de Raul perturbou. O goleiro nem sujou o uniforme. Bem colocado, apenas jogou para escanteio uma bola que muitos companheiros de posição adorariam pular como pipoca só para aparecer bem na foto.

Raul não precisava. Só o Flamengo poderia evitar se expor tanto. A jogada nascera de uma tirada de calcanhar de Andrade. Não era o caso, como não seria, logo depois, um lençol de Mozer dentro da área, que daria num passe errado e num lance perigoso. Era apenas firula. Diferente de Zico, que aos 38 chapelou Neal, na intermediária. Mas como recurso para iniciar um contragolpe. Mais um que, logo depois, fecharia o placar.

40min47s. Nunes. 3 a 0

Adílio carregou pela direita e achou Zico, na intermediária, cercado por cinco rivais. Mas nenhum colado nele. Craque é assim. Desmarca-se. Mas o Liverpool também deu mole. Zico recebeu atrás dos volantes e já lançou às costas do lateral Lawrenson, que vinha se mandando mais ao ataque. Não era Tita quem estava por ali. Mas, como sempre, o danado do Nunes.

Ele passou como quis por Lawrenson e pelo zagueiro-esquerdo Hansen e bateu cruzado na saída de Grobbelaar. Na celebração, parou em cima da linha lateral direita com os braços erguidos. Parecia ser o limite entre aquele time e a nação do lado de fora do campo. Uma linha tênue que já celebrava com mais de 45 minutos de antecipação a maior vitória da história da Toyota Cup em apenas um tempo de jogo. Primeira etapa que tinha de terminar com a bola aos pés de Nunes, no momento em que o árbitro mexicano apitou.

Seria muito difícil o Liverpool virar. Por mais que, em 2005, na final da Liga dos Campeões, contra o Milan, em Istambul, os Reds conseguissem tal proeza, em Tóquio a história parecia escrita. E devidamente fotografada até pelos atletas. O atacante Anselmo foi flagrado com máquina fotográfica na segunda etapa. Não havia como dar errado. Nos 45 minutos iniciais, o Flamengo tivera cinco chances de gol contra o campeão europeu. Fizera três. Bastaria manter o desempenho para festejar mais uma vez. Para Andrade, "o jogo ficou fácil porque fizemos os gols nos momentos exatos, quando o Liverpool esboçava uma reação. Eles entraram de terno, com toda aquela pose e nós de agasalho e tocando samba. Para nós era tudo festa, até as turistas fazendo topless na piscina do hotel [risos]".

A última etapa

Enquanto Nunes corria atrás do goleiro inglês e não o deixava repor a bola, como costumava fazer sem ser importunado pela arbitragem, o atacante Johnston tentava passá-la e batia de canela para lateral, aos 4 minutos. No lance seguinte, Adílio desarmou um rival tirando a bola de dentro da área com a parte externa do pé.

Não era só um chocolate brasileiro. Era um show. Até Zico exagerava. Perdeu uma bola depois de dar um chapéu para trás em Ray Kennedy que Johnston aproveitou e só não diminuiu porque Raul defendeu sem dar rebote. Zico e Tita faziam solos de futebol. Driblando rivais e fazendo o tempo passar rápido como a bola que jogavam. Bob Paisley tentou jogar o time ao ataque. Aos 7, sacou o nervoso McDermott e escalou mais um homem de área (Johnson, de pouca técnica), e recuou um pouco Johnston.

Mas era o Flamengo quem fazia bonito. Aos 9, Júnior escapou pela esquerda como se fosse um ponta, passou por dois e recuou para o volante Andrade chegar como se fosse um meia e emendar com a parte externa do pé direito, cheia de efeito, para Grobbelaar fazer difícil defesa para escanteio.

O Liverpool até jogava um pouco mais. Mas como vencer um time que tem o artilheiro ajudando Leandro a marcar pela lateral direita? Nunes dava combate atrás e fazia um bloco compacto e bem articulado, com admirável preparo físico. "Em condições físicas ideais, o Flamengo não perde para time algum do mundo", previra João Saldanha, dias antes, no "Jornal do Brasil". Quando passava algo, Raul não deixava o mal acontecer.

Aos 15, Johnson só não fez o gol de honra porque o veterano goleiro não deixou. Um minuto depois, uma obra de arte rubro-negra. Tão especial que, involuntariamente, foi captada por uma câmera num helicóptero pela TV japonesa. Daquelas raras felicidades de um time que deixava quem gosta de futebol feliz: Raul bateu um tiro de meta de canhota buscando Tita na intermediária, rente à lateral direita. Ele tocou de taquito para Zico arrancar por dentro e rolar para Lico, no comando de ataque. O camisa 11 serviu de calcanhar para Adílio lançar de primeira Júnior, chegando pela ponta esquerda. O camisa cinco cortou por dentro um adversário e, rolou para Adílio para bater cruzado, de canhota. Em 15 segundos, desde o tiro de meta de Raul, um lance que valeu pelos regulamentares 45 minutos finais. Jogados apenas para o estádio aplaudir essa jogada que melhor define o Flamengo. Um time de troca de bolas e de funções com a naturalidade dos gigantes que se sabem grandes.

Contagem regressiva

Aos 17, Mozer tentou animar o jogo, entrando num carrinho violento e perigoso com os dois pés em Souness. O juizinho, como praxe naquela época, fingiu que não era com ele. Nem amarelo mostrou quando o vermelho seria pouco. O Flamengo começava a jogar duro e até feio, o que parecia heresia para aquele time. Aos 20, Leandro deu um bicão na bola que deve ter estranhado ser tratada daquele jeito por um dos maiores laterais de nossa história. Mas era o cansaço começando a aparecer.

O talento compensava tudo. Aos 26, de calcanhar, Zico iniciou sensacional ataque de Adílio com Nunes, que só não ampliou pela bela defesa do goleiro rival. O jogo era mais aberto. Mesmo com Mozer fechando tudo atrás, de um jeito ou mesmo sem muito jeito. Aos 36, por exemplo, saiu jogando dentro da área depois de desarmar um rival matando a bola no peito. No contragolpe, Grobbellar salvou gol certo de Tita, completando lançamento de Adílio. Carpegiani não precisava mudar. O Flamengo mandava em campo e sobrava, ainda que ameaçado.

Tanto que o grito de "é campeão" só tomou conta do estádio de Tóquio a partir dos 42 minutos, quando a equipe assumiu de vez o espetáculo e começou a fazer (ainda mais) lances de efeito. Efeito especialíssimo. Pena que a arbitragem enxergou impedimento numa arrancada de Zico, lançado por Tita. O Galinho não gostou. Para ele, o jogo parecia estar sem gols. E, pela TV, a impressão era que a posição era boa. E, mesmo se não fosse, os deuses da bola torciam por um gol de Zico. Coroando uma das mais espetaculares atuações de um jogador numa decisão de Mundial.

Ele não fez gol. E não precisou. No mais, fez tudo. Dos passes para os gols de Nunes, da falta que originou o gol de Adílio, dos grandes e tantos momentos do Flamengo em Tóquio, Zico esteve em quase todos, como pareceu estar desde a fundação do clube, em 1895. Chapelou, driblou, fintou, cobrou, correu, marcou, bateu, apanhou, comandou. Flamengou.

Aos 46min23s, Ray Kenneddy foi obrigado pelo árbitro mexicano a jogar a bola nas mãos dele para terminar o espetáculo. Braços erguidos do mexicano, rubro-negros alçados pelo Brasil e pelo mundo que agora, definitivamente, era Flamengo.

Não há rubro-negro que não lembre. E havia um flamenguista que parecia saber que aquilo era tão natural quanto aquele time vencer um jogo. Ou, nos últimos 21 dias, ganhar o terceiro título seguido. Zico saiu andando e sorrindo tranquilo pelo gramado que se transformara num campinho de quintal em Quintino.

Adílio era outro que parecia sair de um treino. Não do momento em que entrava para a história do futebol. Júnior, porém, pulava sobre os companheiros. Parecia o mais feliz. Parecia o único que sabia o tamanho daquilo tudo e daqueles todos em Tóquio. Parecia também porque, na clássica definição, aquela era a segunda pele dele e de tantos que estavam aos prantos. Aquele era o Leovegildo que mais jogou pelo clube mais querido do Brasil. E, agora, do mundo.

Os jogadores correram para o lado esquerdo do campo onde marcaram os três gols. Lá estavam muitas bandeiras rubro-negras e duas brasileiras. Rapidamente tiveram de voltar para o centro do gramado, para a solenidade protocolar. No centro do gramado, o capitão Zico recebeu a Taça Intercontinental, olhou para cima, sorriu e a ergueu. Deu a Raul que a beijou. Mozer e Leandro fizeram o mesmo. Enquanto os demais jogadores e integrantes da delegação a abraçavam e beijavam, Zico levantou a Copa Toyota. Humilde e companheiro, rapidamente a passou para Raul. O goleiro a entregou a Leandro que, distraído, não a segurou com firmeza. O suficiente para que ela pendesse e acertasse a testa de Mozer, que levou um susto, além da dor que passou rápido, como as duas taças correram pelas mãos de todos, que tremiam de emoção e do frio que apertava com o vento que fazia tremular logo atrás uma bandeira do Flamengo. Quase um sinônimo para Zico.

Os campeões recebiam as medalhas dos organizadores não muito organizados. Em vez de as colocarem em volta do pescoço dos flamenguistas, os japoneses se limitavam a dar os objetos dourados nas mãos dos atletas, que então as colocavam sobre o peito. Por fim, a entrega dos prêmios para os melhores jogadores em campo. Um Toyota Celica vermelho e um Toyota Carina branco. Os jogadores tinham decidido que, se algum deles ganhasse os carros, pediria o valor correspondente e o dinheiro seria dividido entre todos. Como o interesse da montadora era ter os carros no Rio – foram entregues com todas as despesas de frete e taxas alfandegárias pagas pela Toyota -, Zico e Nunes se dispuseram a ficar com eles, doando o dinheiro para a caixinha dos jogadores. O de Zico valia quase um milhão de cruzeiros. Ele recebeu o chavão simbólico e cumprimentou todos os que o ajudaram a ser o maior em campo. Até hoje guarda o veículo em casa.

A volta olímpica foi ao som da charanga do Flamengo e do samba brasileiro. Ainda no gramado, para a TV Globo, os campeões foram objetivos. Para Zico, "nada paga esta alegria. Tudo isso nos gratifica na profissão que escolhemos. Procuramos a vitória desde o início e o Flamengo jogou muito bem.

Também pelo respeito ao rival. "Sempre soubemos que o outro time era muito bom. Sempre o respeitamos", disse Nunes. "Mas eu acreditava demais no nosso time e também no meu futebol. No dia em que me mandaram embora do Flamengo, quando eu ainda era um menino, saí certo de que um dia voltaria. Mas não imaginava que ganharia tudo isso".

O zagueiro vencido Thompson só tinnha elogios: "O Flamengo deu o ritmo do jogo. Eles jogaram muito bem. Mas o campo nos prejudicou um pouco". Menos que o Flamengo, claro. Jogou muito, e pouco deixou o rival jogar. "Só precisei bater tiro de meta. Os nossos zagueiros jogaram demais", exagerou Raul.

Bob Paisley definiu melhor o que aconteceu em campo: "Enquanto um jogador nosso precisava tocar na bola três vezes para iniciar uma jogada, eles tocaram de primeira. Assim fica muito difícil a marcação. Meu time parecia morto, física e psicologicamente. Não tenho desculpa nenhuma para apresentar"

Antonio Dunshee de Abranches, presidente do clube, prosseguiu com o discurso jactante de seu antecessor, Márcio Braga. "O Flamengo é muito melhor que esse Liverpool". Arrogante, sim. Mas também realista. No dia seguinte, o Flamengo embarcou para o Brasil. Nas palavras de Júnior, "trazendo um presente de Natal especial para o torcedor rubro-negro". "Foi o título mais importante do Flamengo, mas não o jogo da minha vida, porque não teve a emoção da torcida", disse Zico.

João Saldanha:

– Imaginei que o Flamengo estava no bagaço. Mas o entendimento e conjunto do time, a solidariedade dos jogadores entre si, e a calma da direção fizeram o Flamengo superar tudo isto e conquistar este título inédito, de campeão em três frentes simultâneas. É uma honra do futebol brasileiro que os clubismos e regionalismos mesquinhos não podem empanar o brilho.

Júnior, anos depois:

– Aquele primeiro tempo contra o Liverpool foi acima da média. Eles não conheciam a gente. Na hora achei que eles tinham nos menosprezado antes da partida, mas depois que eu fui para a Europa entendi que aquela era a postura deles mesmo. Imagine na cabeça deles ver o adversário de agasalho tocando samba antes de um jogo importante! Eles passaram rindo. E na hora serviu como um gancho para a gente crescer. A gente sabia como eles jogavam. O Zico ficou às costas da linha de quatro no meio só lançando bolas para o Nunes nas diagonais.

Para Carpegiani, campeão do Rio, da América e do mundo com menos de seis meses como treinador, o "mérito foi todo dos atletas". E como ele foi atleta do Flamengo até setembro, nada mais justo. Mas ele era o menos feliz entre os multicampeões. Trinta anos depois ele explica o motivo:

– Nosso primeiro tempo em Tóquio foi de guardar e mostrar em academia de futebol. Mas o segundo tempo foi outra história, eles criaram mais chances. Terminou o jogo, a festa, estava entrando no vestiário de cabeça baixa, meio que irritado. Gurizão, eu só queria a perfeição no meu time. O Raul vinha atrás e percebeu que eu não estava satisfeito. Ele perguntou o que tinha acontecido e respondi ao meu goleiro: "Velho, jogamos um mau segundo tempo, não gostei". Daí ele me parou e falou algo que não esqueço: "Paulo, o que a gente conseguiu hoje pode ser uma vez na vida. Pode ser que você nunca mais volte a disputar um Mundial! Valoriza isso, rapaz!" Hoje, trinta anos depois, vejo que o Raul tinha razão. A dificuldade para ser campeão mundial é enorme. Mas admito meu grande defeito: sou perfeccionista. Quero tudo. Sou exigente ao extremo. Crio problemas para mim e, às vezes, também para o meu time por conta disso. Mas eu quero ter sempre esse defeito.

No Rio de Janeiro, fogos, carreatas, clima de réveillon. A melhor equipe do clube mais popular do estado e do país se tornava também a maior, a mais vencedora. Histórica.

Mas ainda com sede de conquistas. Perfeccionista. Praticamente perfeita.

Sobre o Autor

Mauro Beting é comentarista do Esporte Interativo e da rádio Jovem Pan, blogueiro do UOL, comentarista do videogame PES desde 2010. Escreveu 17 livros, e dirigiu três documentários para cinema e TV. Curador do Museu da Seleção Brasileira, um dos curadores do Museu Pelé. Trabalhou nos jornais Folha da Tarde, Agora S.Paulo e Lance!, nas rádios Gazeta, Trianon e Bandeirantes, nas TVs Gazeta, Sportv, Band, PSN, Cultura, Record, Bandsports, Foxsports, nos portais PSN, Americaonline e Yahoo!, e colaborou nas revistas Placar, Trivela e Fut! Lance. Está na imprensa esportiva há 28 anos por ser torcedor há 52. Torce por um jornalismo sério, mas corneta o jornalista que se leva muito a sério

Sobre o Blog

O blog fala, vê, ouve, conta, canta, comenta, corneta, critica, sorri, chora, come, bebe, sofre, sua e vive o nosso futebol. Quem vive de passado é quem tem história para contar. Ele tem a pretensão de dar reload no que ouvi e li e vi e fazer a tabelinha entre passado e presente para dar um toque no futuro.

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